sexta-feira, 31 de maio de 2013

As operárias de Robert Yarnall Richie

Robert Yarnall Richie, Mulher a realizar cablagens,
Chrysler Corporation, EUA, 1944
imagem obtida aqui


Os Estados Unidos ao entrarem em guerra em 1941, como outros países envolvidos no conflito mundial de então, tiveram de estabelecer uma política de Informação e imagem.
Em junho do ano seguinte foi criado o Office of War Information (OWI), uma agência federal que tinha por objectivo produzir e coordenar a informação governamental relativa às frentes de combate e ao esforço de guerra no próprio país. Esta não foi exactamente uma instituição que nasceu do nada, na medida em herdou a muito eficaz e oleada máquina de imagem do governo Roosevelt, nomeadamente a secção de informação da Farm Security Administration (FSA), que fora muito importante na obtenção de uma opinião pública favorável aos esforços de combate à Grande Depressão.

Uma das áreas em que o OWI teve de intervir de forma imediata foi na de incentivar a participação feminina na produção industrial. Ao contrário do que por vezes aparece descrito, a participação de mulheres em trabalhos fabris não foi uma novidade trazida pelas duas guerras mundiais. Concretamente no caso americano, o operariado feminino existia desde o advento desse tipo de produção e era constituído maioritariamente por membros de comunidades étnicas minoritárias e por emigrantes. O que as guerras mundiais trouxeram de novo foi um foco positivo sobre uma situação, que, por norma, desagradava à sociedade americana. As imagens de mulheres operárias de Lewis Hine, por exemplo, foram feitas sob um ponto de vista de denúncia da exploração laboral e da pobreza.

Lewis Hine, Caixas de cartão, 
E.U.A., 1906-1920
imagem obtida aqui

Tal ponto de vista não podia ser obviamente partilhado pela abordagem do OWI, mesmo que a acção da  FSA ( que, como vimos, fora absorvida na nova organização) o tenha seguido por motivos políticos. Como ficou muito claro em directrizes internas da agência, num país em guerra não se podia propagar imagens de gente abatida por vicissitudes económicas. De vítimas, portanto.

Dorothea Lange (fotógrafa da FSA), Mãe migrante,
E.U.A.,1936
imagem obtida aqui


O objectivo do OWI era aumentar o moral das populações e das tropas e, por isso, a política de imagem teria de ser radicalmente diferente. Os fotógrafos da agência transformaram o trabalho industrial feminino em algo patriótico, positivo (ver As operárias da propaganda). As operárias americanas eram as heroínas da frente doméstica. As suas imagens eram muito mais próximas do glamour da fotografia de moda, do que da estética documentarista da FSA  ou da motivação sociológica de Hine.

Embora em guerra, os Estados Unidos não possuíam um aparelho totalitário de controle de informação e de censura à semelhança dos seus inimigos (Alemanha, Japão e Itália) e de alguns dos seus aliados (União Soviética, por exemplo). Assim, a acção do OWI na comunicação social era, sobretudo, de coordenação  e de definição de linha editorial. A aceitação deste papel tutelar não era polémica, e funcionava muito mais numa base voluntária dos grupos de media, do que em resultado do enquadramento legal (que existia no quadro do estado de guerra).

A estética do OWI foi mimetizada por outros agentes que dele não dependiam directamente, mas que partilhavam os seus objectivos.
Robert Yarnall Richie, um desses casos, foi um fotógrafo comercial  independente que tinha uma boa carteira de clientes nas grandes corporações americanas.
A abordagem proposta pelo OWI caiu particularmente bem neste estrato da economia americana.  A valorização do operariado feminino era um bom negócio. 
Estas empresas, as principais beneficiárias das encomendas militares, resolviam com ela vários problemas de uma assentada. Por um lado a falta de mão-de-obra, resultante do recrutamento militar dos homens em idade combatente, era superada. Por outro, o novo operariado era mais barato, os salários pagos a mulheres eram muito inferiores ao dos homens nas mesmas funções. E por fim, tudo isto era feito sem o ónus de uma má imagem pública. Pelo contrário, estas empresas, à semelhança das operárias, eram heroínas na batalha da produção.
Recusado pelo serviço militar, por motivos de idade, Robert Yarnall Richie participou nesta "guerra" de significados, servindo os seus clientes particulares e partilhando a iconografia de homens do OWI (instituição com a qual chegou aliás a colaborar por algum tempo), como Alfred Palmer e de Howard Hollem. Apresentou uma América fabril que aparece higiénica como um laboratório, dotada de diligentes operárias, fortes mas femininas, maquilhadas e penteadas, de roupa impecável, sedutoras e invejáveis. Fê-lo com qualidade a preto-e-branco, mas imagens a cor revelaram-se mais adequadas a este propósito de transformar as operárias numa espécie de pin-ups castas.

Robert Yarnall Richie, 
Operária da Boeing a trabalhar, 
E.U.A., Abril de 1944
imagem obtida aqui


Robert Yarnall Richie, 
Operária da Boing a trabalhar numa secção de asa, 
E.U.A., Abril de 1944
imagem obtida aqui


Robert Yarnall Richie, da série "Miss Mission",
E.U.A., Agosto 1944
imagem obtida aqui


Robert Yarnall Richie, da série "Miss Mission",
E.U.A., Agosto 1944
imagem obtida aqui


Robert Yarnall Richie, da série "Miss Mission",
E.U.A., Agosto 1944
imagem obtida aqui


Robert Yarnall Richie, da série "Miss Mission",
E.U.A., Agosto 1944
imagem obtida aqui



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terça-feira, 28 de maio de 2013

Os calos

Em 1935, vivia-se a alvorada fulgurante dos totalitarismos europeus.
Alfred Eisenstaedt, fotógrafo, alemão e judeu, tinha bem consciência disso. Saíra já do país natal, onde o nazismo ia construindo em crescendo o drama que levaria a Europa à ruína uns anos depois, e encontrava-se num dos palcos secundários desse devaneio.

A Etiópia, estado milenar, era, à data, a única verdadeira nação independente da chamada África Negra (existia a Libéria, é certo, mas esta era em boa medida uma criação americana e um protectorado). A Itália de Mussolini sentia-se menorizada pela sua irrelevância imperial, e pretendia alargar os territórios que controlava no Corno de África. Partindo dum diferendo na definição das fronteiras entre a Eritreia (território de domínio transalpino) e a Etiópia, preparava-se para engolir esta última. Para os fascistas italianos, a coisa afigurava-se como favas contadas. O exército etíope, apesar duma mobilização geral decretada pelo imperador Haile Selassie, parecia  não ser obstáculo. A maioria dos seus homens estava armada com espingardas do século anterior, ou com arco e flecha, possuía pouca artilharia e ainda menos meios motorizados. A força aérea etíope era pouco mais que inexistente, contava com quatro pilotos para pouco mais que uma dezena de aviões.

Em vésperas da ofensiva italiana, que se iniciaria em Outubro desse ano, Alfred Eisenstaedt fotografou os contingentes etíopes em manobras, preparando-se para algo que adivinhavam ser inevitável. Numa das imagens, regista um dos soldados africanos deitado sobre o solo. 
Capta apenas a sua metade inferior num ângulo invulgar que põe em evidência os pés descalços, gretados e calejados do homem. 

Alfred Eisenstaedt, pés calejados de soldado etíope, 1935
imagem obtida aqui


À época, esta fotografia era a evidência da grotesca desproporção dos meios que se iam avolumando na expectativa do conflito. Na Eritreia, Mussolini aglomerava milhares de homens equipados com camiões, tanques de guerra, artilharia moderna e apoiava-os com uma aviação bem equipada. Do outro lado, centenas de milhares de homens descalços aguardavam-nos com armas tradicionais.

Hoje, a imagem tem outras leituras. Sabemos que a invasão italiana não foi um passeio. O nacionalismo etíope alimentou uma força inesperada nas forças africanas, que conseguiram organizar contra-ataques violentos, com pesadas baixas nos contingentes italianos. O poderoso exército de Mussolini tomaria as principais cidades apenas a muito custo, recorrendo por vezes a armas químicas, e enfrentaria durante os poucos anos de anexação uma resistência fortíssima. A aventura etíope custaria demasiado em homens, e em liras, e dela não sairia grande proveito. A Etiópia não era apenas agreste para os pés dos seus habitantes. Foi dolorosamente abrasiva para os sonhos imperiais do Duce.
Mas, ao contrário do soldado da imagem de Eisenstaedt, o líder fascista nunca conseguiu ganhar calos que o protegessem.


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sexta-feira, 24 de maio de 2013

Outras imagens tornadas impossíveis

Na sequência do meu texto anterior, duas outras imagens de Alfred Eisenstaedt, do mesmo momento em que se juntaram Marlene Dietrich, Anna May Wong e Leni Riefenstah, em Berlim no ano de 1928.
Poucos anos depois, a Alemanha seria o último local onde Anna May Wong se dirigiria para escapar a estereótipos racistas, Leni seria uma obreira maior da propaganda de Hitler e Marlene estaria no seu exílio americano, em forte oposição ao delírio que tomara conta do seu país natal.

Alfred Eisenstaedt,
Marlene Dietrich com Anna May Wong e Leni Riefenstahl, 
Berlim, 1928
imagem obtida aqui


Alfred Eisenstaedt,
Marlene Dietrich, Anna May Wong, Leni Riefenstahl
e homem não identificado,
Berlim, 1928
imagem obtida aqui



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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Uma imagem tornada impossível

Há imagens relativamente inócuas, banais, que a história acaba por tornar significativas.

Alfred Eisenstaedt,
Marlene Dietrich com Anna May Wong e Leni Riefenstahl,
Berlim, 1928
imagem obtida aqui


A imagem acima, fosse ela a cores e actual, com outras figuras do mundo do espectáculo, não se distinguiria de milhares de imagens de celebridades que alimentam as publicações de temática mais ou menos cor-de-rosa.

Alfred Eisenstaedt, grande fotógrafo, então alemão, mas que mais tarde se naturalizaria norte-americano, não foi nela particularmente feliz. Três beldades femininas, num evento mundano, imagem algo descentrada, com um espelho no plano recuado que apenas cria algum ruído visual.  Mas aqui registou três beldades muito particulares, num momento muito particular.


Alfred Eisenstaedt,
Marlene Dietrich com Anna May Wong e Leni Riefenstahl,
pormenor,
Berlim, 1928
imagem obtida aqui



À esquerda, a alemã Marie Magdelene Dietrich von Losch, mais conhecida por Marlene Dietrich. À direita, também alemã, Helene Bertha Amalie Riefenstahl, que ficaria lembrada para a posteridade como Leni Riefenstahl. No meio, a exótica Anna May Wong, norte-americana. O local é Berlim e o ano 1928. E então tudo fazia sentido. Marlene e Leni, ambas berlinenses e ambas lutando contra o papel que a família esperava delas, eram estrelas em ascensão duma das mais dinâmicas cenas artísticas e cinematográficas. Na Alemanha da República de Weimar, entre desemprego, hiperinflação e agitação política, vivia-se um momento único em termos de liberdade criativa. Anna May Wong, a primeira actriz americana de ascendência asiática (no caso, chinesa) a conseguir figurar nas grandes produções de Holliwood, rumara à capital alemã buscando uma alternativa interessante aos papéis estereotipados que lhe estavam reservados no cinema americano. Seria bem sucedida nesse propósito, protagonizando filmes não só na Alemanha como também na Grã-Bretanha, e seria acolhida na comunidade artística de modo radicalmente diferente da segregada América natal.

Alguns anos depois tudo seria diferente. A imagem tornar-se-ia impossível. A liberal vida artística alemã seria cilindrada pela realidade política. Com a subida de Hitler e dos seus nacional-socialistas ao poder , deu-se uma fractura que separou o tempo e a sociedade alemã.
Marlene Dietrich e o próprio autor da imagem abandonaram o país e tomaram o campo dos opositores do nazismo. A actriz actuaria na segunda guerra mundial para as tropas americanas e reentraria no país na esteira da sua vitória. Facto que nunca seria verdadeiramente aceite pela Alemanha do pós-guerra, que lhe reservaria o estatuto de persona non grata.
Anna May Wong, com o degradar da situação europeia retornaria a Hollywood, onde depois de "Shanghai Express", de 1932 e do realizador alemão Josef von Sternberg, e onde contracenava com Marlene Dietrich, veria a sua carreira decair sem remédio. Faleceria prematuramente em 1961, com 56 anos.
Leni Riefenstahl tomaria o campo oposto. Conheceria Hitler pessoalmente e cairia nas suas boas graças. A sua carreira de realizadora ganharia asas e voaria bem alto ao serviço da propaganda nazi, dirigindo "O Triunfo da Vontade" e "Olympia", obras formalmente espantosas de louvor ao regime. Com a derrota alemã,   a realizadora passaria vários anos presa e tentaria minorar a sua participação na máquina de propaganda de Hitler. Contrariamente a Marlene, embora não tivesse voltado a realizar grandes metragens, continuou a estar de alguma forma nas boas graças da crítica artística germânica (e até da internacional) que olhava para ela de forma algo ambígua, mas fascinada.

À data do falecimento de Marlene Dietrich, havia um público desprezo entre ambas, considerando actriz naturalizada americana que Leni tentara levar a cabo um deplorável branqueamento da sua colaboração com o delírio nazi. Algo que lhe era impossível aceitar.

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segunda-feira, 20 de maio de 2013

O melhor que se consegue

Não há, tanto quanto eu sei, e ao contrário de outros casos (ver aqui e aqui), fotografias de cadastro policial do ditador português António de Oliveira Salazar, figura que marca o século vinte do país.
O melhor que se consegue é, num exercício de diversão pessoal, criar mentalmente a referida imagem partindo das fotografias que Mário Novais fez do presidente do conselho, para serem usadas pelo escultor Francisco Franco como ponto de partida para um busto do ditador.

Mário Novais, Salazar, 1941
imagem obtida aqui

Mário Novais, Salazar, 1941
imagem obtida aqui

Mário Novais, Salazar, 1941
imagem obtida aqui

A não ser, claro, que se seja um jeitoso no Photoshop e se tenha tempo e vontade para esse tipo de brincadeiras.

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sábado, 18 de maio de 2013

Um monstro em construção

Tenho um estranho fascínio por fotografias de cadastro policial.
E quando o visado desta fotografia vernacular é um futuro ditador, ainda maior é meu deleite.

Autor indeterminado, Fotografias de cadastro de Estaline, 1911-12
imagem obtida aqui

Em 1912, José Estaline foi detido, em S. Petersburgo pela Okhrana, a polícia secreta do Czar. Encontrava-se aí fugindo de um degredo interno em Solvychegodsk e em Vologda, imposto por acções de agitação política em terras do Cáucaso, e chamou novamente a atenção das autoridades por, além de escapar do castigo, publicar artigos contestatários. À data era apenas um membro muito secundário do enxame revolucionário que ferroava a monarquia russa nos seus últimos anos. Não se lhe adivinhava o poder futuro, nem as suas acções. Era apenas um monstro em construção.

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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Os Camisas

Há uma discussão que aflora periodicamente em Portugal inflamando ânimos, apesar duma distância temporal que começa já a ser significativa. A questão a que me refiro é da existência, ou não, duma natureza fascista em Salazar e no seu Estado Novo.
Os defensores duma, e doutra posição, substanciam frequentemente os seus pontos de vista duma forma radical, ancorados em fortes posições ideológicas.

Para alguns, essa existência é óbvia, o regime era ditatorial e nacionalista e, na sua origem, demonstrava claramente as suas afinidades. A associação do Estado Novo ao Fascismo e ao Nazismo é a mais clara forma de demonstrar a sua malignidade.

Outros porém, negam-na. Muitos deles afirmam, implícita ou explicitamente, a benignidade do regime português, demonstrando as diferenças entre este e os movimentos germânico e transalpino. Ao contrário de Hitler e Mussolini, Salazar era um ruralista e um tradicionalista. O progresso industrial e a máquina não o entusiasmavam e a pobreza fazia, a seu ver, parte da ordem natural das coisas. O seu Corporativismo era mais retórico que estrutural, era um certo ar do Tempo. O Estado Novo não era militarista e a sua violência, defendem, foi muita inferior à praticada em Itália, Alemanha e Espanha. Um dos exemplos evocados nesta defesa é o desmembramento/neutralização e silenciamento dos Camisas azuis, o movimento nacional-sindicalista de Rolão Preto, um monárquico que na fase de criação do Estado Novo tentou organizar uma estrutura semelhante aos Fasci Italiani di Combattimento.

Como em quase tudo em que há extremos, a verdade das coisas situa-se eventualmente entre eles.

Salazar não era exactamente um avatar português dos líderes italiano ou alemão. Sim, era um ruralista. Não, não gostava por aí além de multidões participativas e organizadas, a pacatez era para si quase um programa político. Não, o número de mortos portugueses resultantes da sua acção não se aproxima nem de perto, nem de longe, das cifras franquistas, nazis e fascistas, mesmo contabilizando os mortos da guerra colonial.

Porém, partir destas constatações para provar a benignidade do Estado Novo é, no mínimo, disparatado. O regime era comprovadamente antidemocrático, repressivo e censório. Manteve prisões que mereceram o título de campo de concentração, controlava de forma muito cerrada as actividades dos seus cidadãos, reprimia fortemente e sem grande pejo.
Se ideologicamente o ditador era mais um tradicionalista católico que outra coisa, e se neutralizou os camisas azuis, a verdade é que se mimetizou substancialmente a estética totalitária e a organização dos regimes seus contemporâneos. O fascismo era um comboio que alguns dos seus mais importantes seguidores queriam apanhar, e ele terá deixado a coisa correr. Também por cá se usava a saudação romana, se adoptou uma arquitectura classicizante com referências nacionalistas, se obrigou todos os jovens com frequência escolar a participar numa espécie de proto-milícia fardada - a Mocidade portuguesa.

Salazar desfez-se dos camisas azuis, mas os seus apoiantes criaram os camisas verdes. E se, como alguns dizem, esse era um ar do Tempo, Horácio Novais capturou esse ar e conservou-o em sais de prata.

Horácio Novais, Mocidade Portuguesa, sem data
imagem obtida aqui

Horácio Novais, Mocidade Portuguesa, sem data
imagem obtida aqui


Horácio Novais, Mocidade Portuguesa, sem data
imagem obtida aqui





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domingo, 12 de maio de 2013

William Paul Gottlieb: o cronista acidental

Um artigo meu na Obvious

Delia Potofsky Gottlieb, William Gottlieb na rádio WINX,
Washington, E.U.A., cerca de 1940
Arquivos da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América




William Gottlieb,
Ella Fitzgerald, Dizzy Gillespie, Ray Brown, Milt MiltonJackson e Timmie Rosenkrantz no Downbeat, 
Nova Iorque, E.U.A.,Setembro de 1947
Arquivos da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América

Como alguns cronistas medievais, William Paul Gottlieb teve acesso muito próximo a uma corte. A sua era a legião de músicos excepcionais que, nas décadas de trinta e quarenta de novecentos, transformaram radicalmente o jazz. Era amigo dalguns dos seus editores, entrava nos camarins, alguns foram convivas na sua casa.

Mas William Gottlieb foi um cronista invulgar e acidental. Embora escrevesse colunas na imprensa e animasse programas de rádio, o seu registo mais marcante foi a fotografia. E nada, no início da sua vida, parecia encaminhá-lo para a crítica musical e para a fotografia.


Leia mais aqui

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sexta-feira, 10 de maio de 2013

Os crânios de Arthur Rothstein

Russell Lee, Arthur Rothstein,
Washington, Janeiro de 1938
imagem obtida aqui

Arthur Rothstein foi um fotógrafo norte-americano que pertenceu à talentosa equipa do departamento de informação da Farm Security Administration.

A FSA foi uma agência norte-americana criada durante o governo de Franklin Delano Roosevelt, no âmbito do seu New Deal, designação que englobava um conjunto de medidas de intervenção directa do Estado na economia, visando combater a chamada "Grande Depressão".
A função específica da FSA era combater a pobreza rural e provavelmente teria caído no limbo do esquecimento, como outras entidades burocráticas do período, não fosse o facto de ter tido precisamente um departamento de informação, dirigido por Roy Stryker.

A existência desse departamento devia-se ao facto de ser necessário garantir o apoio público às iniciativas do governo Roosevelt, que enfrentava forte oposição republicana (esta defendia que a melhor forma de combater  a crise era através de uma rigorosa política orçamental e de desregulamentação, abstendo-se o Estado de uma intervenção directa e sistemática). Stryker fez-se rodear duma equipa de fotógrafos e encaminhou-os para as áreas rurais com a missão de documentar os efeitos devastadores da crise e os planos em curso do governo. As fotografias deste grupo notável eram posteriormente encaminhadas para os jornais e campanhas públicas. A sua qualidade acabaria por ser marcante e é referência no campo da história da fotografia e do imaginário norte-americano. 
Mas a acção da FSA e do seu departamento de Informação foi, à época, controversa. Se para os detractores de Roosevelt, a política de apoios públicos a sectores em grandes dificuldades era inaceitável, o financiamento estatal dum projecto fotográfico daquela natureza era simplesmente um ultraje. E comparações entre os objectivos da FSA e a forma como governos totalitários da época, como os sistemas  soviético e nazi, controlavam e manipulavam a informação não deixaram de aparecer no debate público.
Consciente disso, Stryker procurou colar a acção dos seus colaboradores a uma perspectiva documental. Embora o tipo de imagens procurado e divulgado fosse determinado e controlado, visando expor o lado mais miserável da América em plena Grande Depressão, e a implementação de iniciativas do New Deal, Stryker solicitava que se evitasse a encenação e manipulação das ocorrências. Os seus fotógrafos deviam registar factos reais e interferir o mínimo no desenrolar dos eventos.

Como dito anteriormente, Arthur Rothstein fazia parte da equipa da FSA e, na Primavera e início do Verão de 1936, andou pelos Estados centrais  americanos em trabalho. E esse foi um ano sensível. Por um lado, a o país parecia castigado não só pela crise económica, como pela inclemência da natureza e do clima. Uma seca catastrófica mataria as colheitas e parte do gado nas grandes planícies, ventos inclementes criariam tempestades de poeira a partir da terra seca, e pragas de gafanhotos e roedores destruiriam o que sobrara. Por outro lado, esse era o ano em que Roosevelt lutava pela reeleição e pela continuação do seu plano de recuperação, e todas as polémicas e escrutínios afloravam nos jornais.
Rothstein conseguiria nesse ano algumas das suas mais significativas imagens, registado as tempestades de poeira e as vagas de agricultores arruinados que rumavam ao Oeste em busca de melhor sorte, um fenómeno que o escritor John Steinbeck registaria mais tarde, e de forma magistral, no romance "As vinhas da Ira". Arthur Rothstein acabaria porém, de forma inadvertida, por se ver colocado no centro das lutas políticas entre apoiantes e opositores de Roosevelt.

Arthur Rothstein,
Filho de agricultor durante tempestade de poeira,
Oklahoma, Abril de 1936
imagem obtida aqui



Arthur Rothstein, 
Carroça moderna a caminho do Oeste em busca de trabalho,
Dakota do Sul, E.U.A., Junho de 1936
imagem obtida aqui






Arthur Rothstein,
Maquinaria em quinta abandonada,
Oklahoma, Abril de 1936
imagem obtida aqui

Em Maio, ao passar pelas Badlands do Dakota do Sul, encontrou um crânio de boi ressequido e decidiu fazer uma série de imagens conjugando a ossada com a aridez daquelas terras pobres e exauridas por pastagem excessiva. Fez cinco imagens com disposições diferentes e depois encaminhou os negativos para a sede.

Arthur Rothstein,
Crânio de boi esbranquiçado em terra terra queimada pelo sol,
Dakota do Sul, E.U.A., Maio de 1936
imagem obtida aqui


Arthur Rothstein,
Crânio de boi em pastagem remota e esgotada,
Dakota do Sul, E.U.A.,  Maio de 1936
imagem obtida aqui


Arthur Rothstein,
Pastagem sobreexplorada, 
Dakota do Sul, E.U.A.,  Maio de 1936
imagem obtida aqui


Arthur Rothstein,
Pastagem sobreexplorada,

Dakota do Sul, E.U.A.,  Maio de 1936

imagem obtida aqui


Arthur Rothstein,
Terra gretada e seca,

Dakota do Sul, E.U.A.,  Maio de 1936

imagem obtida aqui

Mais tarde, um editor da agência Associated Press ,  sem prestar grande atenção à legenda de Arthur Rothstein, tomou uma das fotografias como um exemplo da seca que atingira o pico nesse Verão, e assim a fez difundir pela imprensa nacional.

Os editores conservadores do The Fargo Forum, Jornal da maior cidade do Dakota do Sul, ao observarem uma cena comum após o degelo naquelas paragens , mesmo em anos de bonança, ser apresentada como prova de seca extrema, deram início a uma série de artigos que pretendiam expor o desperdício de dinheiros públicos na criação dum embuste.

Recorte do jornal The Fargo Forum, 1936
imagem obtida
aqui


Com a divulgação das outras imagens da série as críticas subiram de tom na medida em que ficou evidente que tinha havido manipulação das ossadas para acentuar o dramatismo. A polémica saiu das fronteiras de Fargo, tornou-se nacional e levou a que um porta-voz da FSA tivesse que vir publicamente defender que não se tratara de uma falsificação, e que todas as movimentações do crânio se haviam dado num raio de dois metros, descartando uma verdadeira encenação como pretendiam os críticos.

Mas o facto é que houvera uma saída dos padrões documentais que a agência invocava.
As razões que estão por detrás desta variação ao método de trabalho documental que era padrão na FSA são pouco claras e vagas. Numa entrevista muito posterior, o autor das imagens defendeu-se dizendo que as encarara como um exercício formal, tentando conjugar a texturas do crânio e da terra, as rachas do solo, a luz e seu movimento este-oeste à medida que o dia avançava. Outra hipótese avançada seria a de que Rothstein usara a ossada para introduzir uma noção de escala, uma vez que, em correspondência com Stryker, este se queixara do carácter impreciso e abstracto das suas paisagens anteriores. E James Curtis, um investigador bastante crítico da pretensões de neutralidade documental da FSA, avança com ideia de que Arthur Rothstein fizera as imagens com o propósito de as usar mais tarde na promoção do filme “The Plow that Broke the Plains” .

Para a generalidade das pessoas, esta polémica parece hoje fútil e apenas explicada pelo calor da luta política naquela campanha eleitoral de 1936. Os resultados da controvérsia seriam nulos, Roosevelt ganhou por larguíssima margem ao seu opositor, e o tempo ajudou a repor as coisas em devido sítio.
Se, de facto, não nos parece sustentável dizer que o projecto da FSA estava imbuído de estrita neutralidade documental, comparar a acção do seu departamento de Informação às máquinas de propaganda dos regimes soviéticos e nazi é simplesmente um delírio. 

Afinal, a grande acusação do The Fargo Forum era a de que Stryker e os colaboradores estavam a forjar imagens duma seca severa e histórica que estava de facto a acontecer.

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segunda-feira, 6 de maio de 2013

As operárias da Propaganda

O Office of War Information (OWI) foi uma agência governamental norte-americana criada em 1942, após a entrada do país na segunda guerra mundial. Concentrava em si a gestão de imagem e informação num país em guerra, visando estimular o patriotismo, fomentar o esforço de guerra e informar quer os cidadãos americanos quer os habitantes das terras onde o país combatia.
Enquanto estrutura herdava a componente de informação da Farm Security Administration (FSA), uma outra agência americana, criada por Franklin Roosevelt, uma oleada máquina de informação que os detractores do presidente, e do seu New Deal, descreviam como sendo um organismo de propaganda feito à imagem de congéneres de regimes totalitários seus contemporâneos, como o soviético e o nazi.

Arthur Rothstein, Agricultor e filhos...tempestade de pó, 
Oklahoma, E.U.A., 1936
Imagem da FSA,  obtida aqui


Se quanto à FSA, e ao seu programa  fotográfico, a questão ainda é alvo de discussão, se se trataria de fotografia estritamente documental, de Propaganda, ou de uma mistura das duas coisas, sobre os projectos fotográficos do OWI não há grandes dúvidas. Perpassa por eles um claro objectivo propagandístico e muitas vezes a encenação dos conteúdos é óbvia.

Uma das funções do organismo era promover a participação das mulheres na indústria de guerra americana, uma participação fundamental uma vez que grande parte da população masculina em idade combatente fora incorporada nas forças armadas, depauperando os contingentes laborais.


Emblemáticas deste propósito são as fotografias a cores de Alfred Palmer e de Howard  Hollem. Jovens mulheres aparecem de forma determinada a executar tarefas fabris e de manutenção, mostrando simultaneamente força e feminilidade. Os cenários e as poses são clara e criteriosamente escolhidos, a iluminação cuidada e as vestes das operárias raramente sujas.


Alfred T. Palmer, Acabamentos num bombardeiro B-17, 
E.U.A., Outubro de 1942
imagem do OWI, obtida aqui
Alfred T. Palmer, Operária em formação, 
Long Beach, Califórnia, E.U.A., Outubro de 1942
imagem do OWI, obtida aqui

Howard R. Hollem, Irma Lee McElroy, 
Corpus Christi, Texas, E.U.A., Agosto 1942
imagem do OWI, obtida aqui

Howard R. Hollem, Lucile Mazurek,
Milwaukee, Wisconsin, E.U.A., Fevereiro de 1943
imagem do OWI, obtida aqui

A América determinada e forte destas imagens, uma nação que queria ganhar uma guerra,  numa iconografia mais próxima da publicidade do que do documentarismo, está a anos-luz daquela que as imagens iniciais da FSA propagavam, destroçada pela Grande Depressão e necessitada do resgate do New Deal de Roosevelt.

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quinta-feira, 2 de maio de 2013

ONTOS - Tyto alba

O nome de Cherry Kearton, um dos pioneiros irmãos Kearton que, em fins do século dezanove, iniciaram a Fotografia de Natureza, foi dado a um prémio da britânica Royal Geographical Society. Em 2012, na última edição, foi atribuído a Andy Rouse. É dele esta coruja-das-torres (Tyto alba), em pleno voo.

Andy Rouse, Coruja-das-torres (Tyto Alba), sem data,

imagem obtida aqui


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