sexta-feira, 1 de abril de 2016

Primeiro de Abril

Durante muito tempo, por tradição, houve uma tendência para fazer publicar, no primeiro dia de Abril, notícias e imagens de factos espantosos.

Baleias apareciam nos grandes lagos americanos, voam bicicletas-aeroplanos, autocarros de dois andares corriam em circuitos de velocidade, máquinas estranhas conseguiam fotografar a última visão dos mortos ou transportar alimentos via rádio, e os animais começavam a ter vontade de procriar com os mais estranhos parceiros.
O que unia estes acontecimentos, além da data que partilhavam, era a sua natureza de pura falsificação.
Actualmente, perante o manancial de simulacros e cretinices que é despejado nos media tradicionais e nas redes sociais, a coisa deixou de ter o impacto que tinha, e a tradição desvanece-se mais a cada ano que passa.
Aparentemente, na era da efabulação amoral e do ruído, já não faz muito sentido ter um dia específico para a pequena mentira jocosa.

Boris Spremo,
Baleia no porto,
Toronto, Canadá, 1983
imagem obtida aqui






Autor não identificado,
Bicicleta-aeroplano,
Holanda, 1933
imagem obtida aqui






Autor não identificado,
Corrida de autocarros de dois andar,
Holanda, 1933
imagem obtida aqui






Autor não identificado,
Máquina para fotografar
a última visão de pessoas mortas,
Holanda, 1935
imagem obtida aqui






Autor não identificado,
Ovelha-pelicano,
Holanda, 1932
imagem obtida aqui








Autor não identificado,
Máquina de transmissão de alimentos via rádio,
Holanda, 1931
imagem obtida aqui






domingo, 6 de março de 2016

Património e Progresso

Por vezes, tropeçamos em afirmações que nos remetem para um maravilhoso mundo do Estado Novo, em que o Progresso caminhava de mãos dadas com a defesa da tradição e do património nacional.
Que nesse período se procedeu a uma recuperação nunca vista dos castelos e monumentos nacionais é um dos argumentos que alguns, mais a querer dar para o erudito, tentam invocar.
Na verdade, a campanha de requalificação de castelos e monumentos religiosos foi grandemente desastrada. E foi-o porque, em boa parte, era propagandista e orientada para dar solidez simbólica ao regime. Não foi um processo particularmente científico.
Muitas das reconstruções de castelos e fortalezas foram mais baseadas na imaginação e num determinado ideal romanesco do que no estudo histórico. E quanto aos monumentos religiosos, aí a coisa foi calamitosa.

Muitos desses edifícios foram sendo construídos, ampliados e recriados ao longo de séculos, num processo de "sedimentação", em que se acumulavam espaços, estilos, mestres e técnicas. A campanha do Estado Novo assentou numa visão de depuração, de retorno a uma alegada pureza original. O regime que se estabelecia, e se estruturava, num período que coincidia com o proclamado oitavo centenário da nacionalidade, tinha uma percepção de património que fazia prevalecer um determinado eixo histórico-formal, aquele que vai do Românico inicial ao Manuelino das Descobertas, passando pelo Gótico da conquista plena do território e das vitórias de independência sobre Castela. Tudo o que era posterior, ou lateral, era simplesmente secundário ou mesmo uma contaminação. Era dispensável e eliminável.
Parcelas muitos significativas do Barroco e do Maneirismo portugueses, por exemplo, foram obliteradas sob orientação dos serviços da Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, sendo hoje apenas conhecidas através de relatos e registos anteriores, raramente exaustivos.

Judah Benoliel, filho do incontornável Joshua Benoliel, não foi um fotógrafo memorável à escala do seu progenitor, mas deixou-nos uma vasta obra fotográfica graças às várias décadas da sua carreira. Retratou, nomeadamente, as inúmeras obras que a cidade de Lisboa conheceu no século vinte.

Judah Benoliel,
Demolição do aqueduto na futura avenida Infante Santo,
Lisboa, Portugal, 1949
imagem obtida aqui


É dele esta espantosa imagem dos inícios da construção da avenida Infante Santo, que liga a área da Estrela à zona ribeirinha, em Lisboa.
Esta imagem que choca o nosso olhar, formado por outra perspectiva sobre o Património, regista bem o progresso "desejável" e "necessário" e o Património e a História "dispensáveis" nas décadas de 1940 e 1950, e ajuda-nos a desmistificar ideias feitas.

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terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Leila Alaoui - Obituário

A artista e fotógrafa franco-marroquina Leila Alaoui faleceu ontem em resultado de ferimentos sofridos nos atentados de Ouagadougou, Burkina Faso, em 15 de Janeiro.
Alaoui encontrava-se aí ao serviço da Amnistia Internacional, tendo sido alvejada num braço e numa perna no ataque ao café-restaurante Cappuccino, numa situação clínica considerada inicialmente como segura, sem risco de morte.

O trabalho fotográfico de Leila Alaoui lidara sobretudo com a questão da identidade, sobretudo a identidade marroquina, e com o êxodo a qualquer custo, rumo à Europa, das juventudes africanas.


Leila Alaoui,
Sem título, da série "No Pasara",
Marrocos, 2006
imagem obtida aqui



Leila Alaoui,
Sem título, da série "No Pasara",
Marrocos, 2006
imagem obtida aqui
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