quinta-feira, 23 de junho de 2011

ONTOS - Orchis Ustulata


Pietro Guidi, Orchis ustulata,cerca de 1870
Prova de albumina, pintada manualmente
imagem obtida aqui




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terça-feira, 21 de junho de 2011

A inglesa que fotografava algas

Tende-se a fazer uma ideia muito redutora do universo feminino nos tempos que antecederam as sufragistas e as feministas.
Vemos os homens como quase exclusivos agentes da História, das artes e da Cultura.
Antes de 1900, às mulheres parecia estar reservado um mundo finamente rendilhado, centrado na necessidade de obter correctamente um pretendente, um casamento, filhos e filhas ( e depois, de gerir as pretensões destes ou os seus pretendentes, consoante o caso, conseguir-lhes uma bom casamento e por aí adiante).

Jane Austen, uma mulher que escapou a esta descrição, fez curiosamente deste universo a fonte da sua arte e, curiosamente também, é uma das contribuintes maiores para esta nossa percepção.
A visão geral que temos das mulheres oitocentistas, sobretudo das mulheres burguesas, é muito mais devedora do jogo de subtilezas e dependências que os seus romances descrevem, do que das acções mais arrojadas de outras heroínas da novelística desse século (que sendo muito mais activas, mais senhoras do seu destino, geralmente acabam mal). Veja-se Emma Bovary, personagem de Flaubert, ou Marguerite Gautier, de Alexandre Dumas Filho.

Olhando-se brevemente para a biografia de jane Austen, pode-se ter a ideia que as mulheres só em resultado de não obter um casamento poderiam obter uma emancipação intelectual. Uma familiar afastada da escritora, Anne Dixon, cerca de vinte anos mais nova, serve-nos porém para nos aproximar-mos da pobreza de tal descrição.

Nascida em 1799, Anne Austen (o apelido Dixon será obtido por casamento, mais tarde) perderá a mãe por doença em 1811. Em virtude da ausência do pai, um oficial do exército britânico colocado em Portugal na sequência das invasões napoleónicas, a sua custódia e educação é entregue ao cientista inglês John George Children.
Este, um viúvo, tem uma filha- Anna children ( mais tarde Anna Atkins, por casamento) . Entre as duas meninas, de idade igual, órfãs de mãe, ir-se-á desenvolver uma enorme afinidade, e descrever-se-ão mais tarde como quase irmãs. Ambas casarão, mas não se romperá o laço de identidade e amizade, e a sua vida não se resumirá, como veremos, à aridez intelectual da gestão doméstica e familiar.

Autor não identificado, Anna Atkins, s/data
imagem obtida aqui

























No lar de John Children, vivia-se um ambiente de saber estimulante, e Anna Atkins terá uma formação científica bastante apurada, sendo uma assistente não oficial do pai. Colaborará com ele, executará ilustrações científicas e desenvolverá um interesse particular pela botânica. Graças às relações e posições do pai( sócio e secretário da Royal Society, conservador de História Natural do British Museum) e do marido, John Pelly Atkins ( promotor do caminho-de-ferro), conhecerá de perto a elite científica britânica, e tratará de igual com nomes como William Hooker, botânico proeminiente, William Henry Fox Talbot e John Herschel, ambos cientistas e inventores da Fotografia.
Será aceite como membro da Botanical Society of London, mas não poderá apresentar publicamente palestras nem terá direito a gabinete. Era esta a convenção.

Às mulheres da era vitoriana e pré-vitoriana não estava totalmente vedado o acesso ao saber e às grandes discussões teóricas, estava-lhe era impossibilitada a publicitação do seu contributo. A sua acção era esperada no âmbito da colaboração com familiares masculinos e o seu trabalho deveria ser dado a conhecer na esfera privada, no círculo de amigos.
São estas as circunstâncias que explicam a relativa pouca notoriedade de Anna Atkins, e de Anne Dixon, no contexto dos pioneiros da Fotografia.

A proximidade das suas relações com William Henry Fox Talbot e John Herschel tornaram-na uma espectadora próxima da nova técnica, cujo progresso era rápido e espantoso.
Especula-se que Anna Atkins terá sido a primeira mulher fotógrafa, título disputado com Constance Talbot, esposa de William. Apesar de se saber que ambas tiveram acesso a equipamento, não foram encontradas quaisquer fotografias de câmara de sua autoria, e esta disputa não parece ter resolução.
O que é evidente e comprovado é que pouco após a invenção do cianótipo por Herschel, em 1842, Anna Atkins começou a registar as algas que então estudava, e recolhia, utilizando este processo, obtendo imagens por contacto directo dos espécimenes sobre papel sensibilizado, à maneira dos desenhos fotogénicos de Fox Talbot. O produto final eram imagens negativas de fundo azul forte em que as formas vegetais se recortavam em branco.

A opção pelo cianótipo e o seu peculiar aspecto tem sido questionada, sabendo-se que tivera acesso directo aos resultados mais verosímeis do calótipo, a preto e branco.
A explicação mais corrente consiste em apontar que Atkins enquanto ilustradora, sempre se revelara bem mais orientada para fins artísticos do que para aspectos meramente descritivos, e que eventualmente sentira que o azul profundo dos cianótipos se adequava melhor, esteticamente e simbolicamente, ao universo aquático de onde as algas que fotografava provinham.
Outra explicação, bem mais prosaica, leva-nos ao facto de que Sir John Herschel, ao contrário de Fox Talbot, não registara a patente de nenhuma das suas descobertas de carácter fotográfico, estando o cianótipo no âmbito do uso livre, sem lugar a pagamento de licenças.
Por último, há que considerar que a simplicidade técnica de um processo que envolvia apenas duas soluções químicas misturadas para sensibilizar os suportes, e uma lavagem simples com água para os fixar, pudesse ser um factor importante na sua opção.

Em Outubro de 1843, auto-publicou a primeira versão de Photographs of British Algae: Cyanotype Impressions. Ainda que em tiragem reduzida, produzido artesanalmente e com texto manuscrito, com circulação privada, concentrada maioritariamente junto de amigos cientistas, trata-se do primeiro livro feito com recurso a técnicas fotográficas. Antecedeu em oito meses o bem mais conhecido The pencil of Nature de William Henry Fox Talbot, editado com maior tiragem e circulação.

Página Manuscrita de
Photographs of British Algae: Cyanotype Impressions,
1843-1853
imagem obtida aqui 
Anna Atkins,  Furcellaria fastigiata, 1843-53
imagem obtida aqui
Anna Atkins, Delesseria sanguinea,
1843-53
imagem obtida aqui












































































Durante dez anos, a obra irá sendo relançada aumentada e revista, consistindo em três volumes na sua versão final. Sobrevivem dezassete cópias presentemente, pertencendo na sua maioria a bibliotecas públicas e museus.
Na versão final, Photographs of British Algae: Cyanotype Impressions continha mais de quarto centenas de fotografias, ilustrando quer um sistemático trabalho de recolha e taxonomia, quer um forte instinto plástico.
Após a morte do pai, em 1852, Anna Atkins cessará o trabalho em torno de plantas aquáticas, havendo quem associe esta paragem ao luto.

Em 1853, iniciou um novo ciclo, desta feita em colaboração com Anne Dixon, também ela uma entusiasta da fotografia, que diz-se que se terá juntado à amiga com vista ajudá-la a superar a perda do pai. Culminará nas obras Cyanotypes of British and Foreign Ferns, logo nesse ano, e Cyanotypes of British and Foreign Flowering Plants and Ferns, em 1854.
As duas mulheres, ao tempo na sua meia idade, entraram num trabalho de parceria na recolha (orientada por Atkins) de plantas, colocação entre chapas de vidro e exposição ao sol por contacto com folhas de papel sensibilizado.
A sua obra, à parte de considerações mais técnicas (nem sempre os espécimenes foram recolhidos directamente por si, e nem sempre há o registo do seu local de recolha) que dificultam o reconhecimento no âmbito da ilustração e fotografia científicas, chega-nos com uma força particular, quer pela particular resistência material do cianótipo (muito superior aos sensíveis calótipos de Fox Talbot), quer porque nos transmitem a força, intuição e inteligência de duas mulheres que não se encaixam nalguns estereótipos femininos do século XIX.

Anna Atkins, Página título de
British and Foreign Flowering Plants and Ferns,
cerca 1854
imagem obtida aqui

Anna Atkins, Papaver Orientale, circa 1854
imagem obtida aqui


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sexta-feira, 17 de junho de 2011

ONTOS - uma, duas rãs


Josef Maria Eder e Edward Valenta,
Radiografia de rãs,1896
imagem obtida aqui


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terça-feira, 14 de junho de 2011

Uma finlandesa na selva, por ela mesma



O vídeo não se encontra legendado, portanto é para quem consiga entender estrangeiro, habilidade que se recomenda.

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ONTOS - Uma alga em tons de azul


Anna Atkins, Chordaria flagelliformis,
cianotipo,1843-53
imagem obtida aqui


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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Complexo de Napoleão

Observando-se retratos fotográficos do séc. XIX podemos ver o muito que as roupas, os penteados e os objectos mudaram. Mas podemos também, no meu caso observando alguns retratos de Nadar, ver o que os gestos e a postura mudaram.
É hoje inconcebível, a menos que se procure passar por lunático ou provocador, fazermo-nos registar serenamente com a mão enfiada, ao nível do peito ou da barriga, num casaco desabotoado. Esta pose transformou-se num sinónimo de perturbação mental, e a caricatura  e o cartoon recorrem a ela para sinalizar alguém alienado. A pose agarrou-se à figura de Napoleão Bonaparte, devido ao retrato pintado por Jacques Louis David, e apesar de não ser predominante nas representações coevas do imperador não parece descolar dele. Associamo-la a alguém que tem uma visão desmesurada de si próprio ou uma dissociação de identidade. Configura uma espécie de “Complexo de Napoleão” distinto da sua definição mais comum, aquela que é relativa ao complexo de inferioridade que atinge alguns homens de baixa estatura e que os faz ter acessos de fúria e comportamentos excessivos como estratégia de compensação.

Jacques-Louis David, Napoleão Bonaparte,
1812
imagem obtida aqui

























No entanto, em meados de século dezanove, as coisas ainda não tinha assumido esta conformação. Sérias figuras da intelectualidade e do meio artístico, como Delacroix , Victor Hugo e Baudelaire, podiam-se fazer retratar assim sem ironia nem provocação. A postura representava antes introspecção e altivez de carácter. Ainda hoje, muitos povos incorrem num gesto semelhante quando, em momentos graves, como um juramento ou o cantar do hino nacional, colocam a sua mão direita junto ao coração.


Dito tudo isto, duas coisas:

Uma, parece-me difícil o retorno desta pose ao léxico das posturas correntes e sérias. Não creio que vá ver nenhum prémio Nobel a fazer-se retratar assim com cerimonial.Outra, o nosso preconceito e a nossa estranheza actual faz-nos preferir imagens alternativas de figuras novecentistas que foram retratadas desta forma. Veja-se como a fotografia de Nadar com Baudelaire de pé e mãos nos bolsos é tão mais usada que a que o mesmo fotógrafo fez do poeta, sentado e em aparente identificação com Napoleão.
Félix Nadar, Baudelaire, 1855-58
imagem obtida aqui








Félix Nadar, Eugéne Delacroix,1858
imagem obtida aqui







Félix Nadar, Gioacchino Rossini,1856
imagem obtida aqui


Félix Nadar, Eugène Pelletan,1855-1859
imagem obtida aqui

Félix Nadar, Jules Hetzel, s/data
imagem obtida aqui

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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Chuva de fotógrafos

A notícia da invenção da fotografia espalhou-se muito rapidamente na primeira metade do século dezanove, e no início da segunda metade o número de profissionais e praticantes crescera exponencialmente, apesar da dificuldade que esta técnica pressupunha antes da industrialização dos suportes fotossensíveis. Em 1855, Félix Nadar, ele próprio já um fotógrafo então, ironiza com uma caricatura intitulada Chuva de fotógrafos.

Félix Nadar, Chuva de Fotógrafos, 1855
imagem obtida aqui


























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quarta-feira, 1 de junho de 2011

A Representação Certa

A historiografia da fotografia, em particular a de matriz francesa, tende a atribuir a invenção do retrato fotográfico moderno a Nadar e a Carjat, sobretudo ao primeiro.

Atribui-se-lhes a inovação de uma representação centrada no sujeito, na exposição do seu pathos, e o desligamento relativamente a convenções mais arcaicas, oriundas da pintura romântica e anterior, em que o gesto, o cenário e o adereço pesavam por vezes mais que a estrita representação (e a correcta escolha) da expressão do retratado.

Félix Nadar, Charles Baudelaire, 1862
imagem obtida aqui


Étienne Carjat, Charles Baudelaire, 1863
imagem obtida aqui


Curiosamente, esta demanda do essencial, e fuga ao acessório, advém precisamente de dois homens que se notabilizaram como caricaturistas. Quer Carjat ,quer Nadar, são senhores de uma assinalável obra gráfica, que aparentemente se situa nos antípodas dos seus retratos fotográficos. Na caricatura prevalece o exagero e a desproporção, que parecem faltar no relativo minimalismo da sua faceta fotográfica, tecnicamente simples, sem devaneios de foco (como amiúde se verifica, por exemplo, em Julia Margaret Cameron), sem abusos de tom e contraste, com poses descontraídas e fundos simples e neutros. Mas há na caricatura uma capacidade de capturar o esgar, a expressão exacta, e de os trabalhar para neles melhor se reconhecer o sujeito alvo, e este é um talento que é fundamental para um retratista. Descontando-se o oceano de diferenças técnicas e estilísticas que separa as caricaturas e as fotografias de Carjat e Nadar, une-as esta propensão para capturar a representação certa.
 
 
Félix Nadar, Charles Baudelaire, s/data
imagem obtida aqui


Étienne Carjat, Gaetano Braga (compositor e violoncelista italiano), s/data
imagem obtida aqui


Já do grande rival de Nadar e de Carjat, o bem sucedido André Disdéri, não se lhe conhece muita obra além da fotográfica. Este, com um enorme talento comercial, soube perceber o que os seus clientes, nem sempre muito elucidados, esperavam de um retrato. Com isso, conjuntamente com a utilização do formato carte de visite que popularizou, que permitia grandes séries a baixo custo, terá empurrado muitos dos fotógrafos contemporâneos para fora da actividade. Esta pulsão mercantilista, faz Disdéri perceber que mais do que uma representação serena e “verdadeira” de si próprios, os europeus de novecentos pretendem maioritariamente obter nos seus retratos a imagem do seu estatuto, real ou almejado, uma configuração segura do que esperam que os outros vejam neles. Aos fundos neutros preferem as balaustradas, os panos, o mobiliário pretensioso e as colunas falsas que Disdéri usa para povoar o estúdio e os seus retratos. À naturalidade preferem o gesto encenado. Preferem as convenções seguras, e uma validação que entendem ser trazida pelas referências clássicas.

Os retratos de Disdéri dizem-nos muito mais da época, do ar do tempo, do que dos retratados. As suas fotografias muitas vezes fazem-nos lembrar o quadro de goya “ Carlos V e a sua família”, em que o espanhol nos fez chegar a imagem (pouco lisonjeira) de uma família real que parece tão ofuscada e satisfeita com os brilhos e os fulgores dos trajes e do cenário, que não terá percebido o patético com que foram registados. Ironicamente, Disdéri, que não era um caricaturista, graças às suas opções e à oportunidade, transforma com frequência os seus clientes numa caricatura infeliz de si próprios, e da sua época.


André Disdéri, retrato de M. Duprez (actor francês), s/data
imagem obtida aqui
























André Disdéri, retrato de Victor Emmanuel II ( 1º rei da Itália unificada), s/data
imagem obtida aqui
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