quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Quando Bernardino era Bernard

Henri Manuel, Bernardino Machado,França, sem data
imagem obtida aqui

Bernardino Machado foi presidente da República Portuguesa por duas vezes, e a sua figura única é quase um ícone da conturbada primeira república, imediatamente reconhecível.
De forma perfeitamente acidental deparei-me com esta imagem na colecção digitalizada do Musée français de la Photographie, disponível online. Pelos dados veiculados pela instituição, sabemos ser uma fotografia do parisiense Henry Manuel, um fotógrafo que manteve uma longa relação profissional com o governo francês. Não é indicada data, mas terá sido feita muito provavelmente em 1917, aquando da deslocação de Bernardino ao país para visitar as tropas do Corpo Expedicionário Português, envolvidas então nos combates das trincheiras da primeira guerra mundial.

Outra surpresa, e desta vez divertida na sua natureza, é observar o nome com que o presidente português é registado. Se o adágio diz "Em Roma, sê romano", adaptando um pouco ficamos com um "Em França, levas com um nome francês". Assim, e para a posteridade, aqui temos o momento em que Bernardino foi Bernard, président du Portugal.


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terça-feira, 13 de agosto de 2013

Jules Itier: um francês na China

Jules Itier, Macau, Outubro de 1844
imagem obtida aqui


Jules Alphonse Eugène Itier foi um alto funcionário francês do século dezanove. Num comportamento que não era incomum, na época, entre as elites europeias, foi um amador das ciência e será sido por essa via que se tornou fotógrafo, na sequência da compra da patente do daguerreótipo (forma primeira da fotografia, de exemplar único em chapa metálica) pelo Estado francês e da sua oferta para livre uso, em 1839.
Contrariando  a máxima que diz que não se devem misturar negócios e prazer, Itier fazia-se acompanhar da enorme parafernália necessária ao seu hobby nas suas missões de serviço, inaugurando a era da imagem fotográfica nos vários territórios ultramarino onde as suas funções ao serviço das Alfandegas francesas o levavam.
Em 1843 é enviado para o extremo oriente, inserido na comitiva do embaixador Théodore de Lagrené que procurava obter um tratado comercial com a fechada china imperial. No Outono do ano seguinte, nomeado já chefe da comissão comercial francesa para as Índias, China e Oceânia, aporta finalmente a terras chinesas, primeiro em Macau, território então sob administração portuguesa, e depois finalmente em Cantão onde será assinado o Tratado de Huangpu, com os mandarins locais a participar em representação do poder imperial.
Fará aí, nesses dois locais, as primeiras fotografias conhecidas da China, registando não só aspectos paisagísticos e arquitectónicos, mas também cenas de rua. E aquando da assinatura do tratado, dará a estocada final na tal ideia de que não se deve misturar trabalho com lazer. Aproveitando a conhecida curiosidade das elites chinesas em relação aos progressos técnicos e científicos ( que os padres jesuitas exploravam há muito, introduzindo a relojoaria na sede imperial), Itier faz fotografar os três mandarins de Cantão para grande deleite dos próprios.

Jules Itier, Macau, Outubro de 1844
imagem obtida aqui

Jules Itier, Macau (pormenor), Outubro de 1844
imagem obtida aqui

Jules Itier, Vista invertida da Praça Grande,
Macau, Outubro de 1844
imagem obtida aqui



Jules Itier, Pagode grande,
Macau, Outubro de 1844
imagem obtida aqui


Jules Itier,Panorama de Cantão,
Cantão, China, Novembro de 1844
imagem obtida aqui


Jules Itier, grupo numa rua de Cantão,
Cantão, China, Novembro de 1844
imagem obtida aqui


Jules Itier, Os grandes mandarins  de Cantão,
Cantão, china, Novembro de 1844
imagem obtida aqui

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terça-feira, 6 de agosto de 2013

E para continuar mal...(2)

Entrada preguiçosa e egocêntrica, típica dum Agosto quente.
Quando comecei esta aventura do blog, fi-lo com uma imagem que demonstrava o meu gosto pela estética dos lugares-comuns, no caso a das imagens tipo postal ilustrado com pôr-do-sol.
E esta entrada, mais de três anos depois, serve apenas para reafirmá-lo.

Júlio Assis Ribeiro
Cerro de S. Miguel visto a partir do extremo ocidental
da Ilha de Tavira, ao anoitecer.
Perto de Arroteia de baixo, Algarve, Portugal,
Julho de 2013



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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Uma farsa trágica

Texto inicialmente publicado no OBVIOUS Lounge.

Autor não identificado,
Heinrich Hoffmann
durante o investigação de crimes de guerra nazis, 1945
Arquivos da Biblioteca do Congresso dos
Estados Unidos da América

Heinrich Hoffmann, como muitos outros, não entrou para o palco da História desempenhando um papel principal. Foi definitivamente um actor secundário, porém importante, no desenrolar dos acontecimentos que marcaram o século vinte.

Nascido em 1885, este alemão tornar-se-ia fotógrafo por influência familiar, trabalhando inicialmente no estúdio do seu pai, e mais tarde, a partir de 1908, estabelecendo-se por conta própria na capital da Baviera, Munique.
Se a sua condição de fotógrafo, por si só, não foi suficiente para lhe garantir uma entrada nos manuais de História (não foi um dos mestres dessa vertente artística, era apenas um comercial e competente profissional), a sua opção pela cidade bávara acabaria por ser decisiva.
Será aí que, em 1920, no meio da efervescência política da Alemanha do pós primeira guerra mundial, no período normalmente designado por República de Weimar, se cruzará com um dirigente de um pequeno e quase desconhecido partido radical, o NSDAP (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei), partido a que prontamente adere. A liderança do partido revelara até então alguma desconfiança relativamente à forma como era representada, e Hoffmann será decisivo em inverter essa postura, convencendo o dirigente e ideólogo do Partido, Adolf Hitler, a o nomear fotógrafo oficial.

A desconfiança inicial de Hitler em relação à imagem não advinha de a ela ser avesso, ou de não lhe encontrar valor. Pelo contrário, o futuro líder alemão fora na juventude um aspirante a pintor, tendo falhado uma muito desejada admissão na Escola de Belas-Artes de Viena, na Áustria, o seu país natal. E enquanto político, seria paradoxalmente um agente muito moderno, próximo da actualidade, pela forma como manipulou a imagem na criação da sua persona pública, embora com toda uma linguagem corporal e um imaginário que hoje nos são muito arcaicos.

Adolf Hitler, então o início da sua trajectória política, esforçava-se por, primeiro, criar estabelecer um domínio sólido sobre o NSDAP, e depois, partir para o controle do país. Para isso, cedo intuiu que precisava de associar os seus dotes de oratória, e o seu discurso de uma natureza excessiva e populista, a uma postura e a uma gestão de imagem que lhe dessem estrutura e credibilidade.

E aí, Heinrich Hoffmann foi determinante, sendo seu primeiro grande aliado nessa batalha das imagens (mais tarde segui-lo-iam outros, nomeadamente a cineasta Leni Riefenstahl). Toda as representações fotográficas do líder seria controladas por Hoffmann e pelo próprio Hitler, visando uma uniformidade e eficácia comunicativa que é inegável. Este controle rígido e exclusivo foi aliás um fantástico negócio para ambos, na medida em que qualquer uso da imagem do líder nazi implicava o pagamento de direitos, e em que, uma vez conquistado o poder, a imagem de Adolf Hitler se tornou omnipresente, estando em tudo, desde da imprensa até aos selos de correio.

Este empreendimento comunicacional nada tinha de documental. A imagética nazi era um tremendo exercício teatral, a naturalidade não era um objectivo. As situações, as posturas, os tons, tudo era, em grande parte, uma falsidade friamente ensaiada.

A prova maior desta evidência, consiste num conjunto de imagens, feitas pelo fotógrafo a pedido de Adolf Hitler, em 1925. Nelas, o futuro ditador aparece num ensaio de poses para usar em aparições públicas, e a sua realização visou obter um reflexo mais distanciado do que aquele que obteria num espelho, numa visão mais próxima daquilo que seria observado pelos assistentes aos seus comícios.
As imagens serviram para apurar a sua técnica de postura, e uma vez analisadas por Hitler, este solicitou a Hoffmann que as destruísse. O seu objecto estava atingido, e não era suposto serem publicadas, uma vez que não transmitiam um versão de si que Hitler considerasse digna.
Ordem que Hoffmann, um dos mais próximos e fiáveis colaboradores do dirigente nacional-socialista, não cumpriu, fosse por cálculo, fosse por esquecimento.

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

Heinrich Hoffmann,
ensaio gestual de Hitler,
Alemanha, 1925
Arquivos da Bayerischen Staatsbibliothek,
Munique, Alemanha

A teatralidade exagerada que acompanhava os discursos inflamados de Adolf Hitler, e que agora nos parece tão evidente e estranha, não escapou decerto aos seus contemporâneos. O actor e realizador Charles Chaplin mordazmente caricaturizou os seus trejeitos em "The Great Dictator" ("O Grande Ditador", em Portugal e no Brasil), em 1940.

Charles Chaplin
no filme "The Great Dictator", E.U.A., 1940

No entanto, a forma como essa teatralidade era lida era bastante diferente. Nas primeiras décadas do século vinte, o "underacting" não era uma estratégia muito apreciada, quer no teatro, quer no cinema. O cinema era inicialmente mudo, e a ausência de som implicava a transformação do acto de representar em algo mais próximo da actividade de um mimo do que duma interpretação natural. Quem assistia a um discurso de Hitler, ou a um filme de um discurso seu, estava familiarizado com aquela forma exagerada de representação, e estava de alguma forma mais predisposto a ser cativado por ela.
Esta familiaridade acabou por ser algo trágica, e ajuda a explicar a relativa facilidade com que Hitler chegou ao poder e assumiu um domínio absoluto. Para grande parte da elite alemã, Hitler era um personagem desagradável e ridículo, mas não verdadeiramente preocupante. De algum modo, a consciência da teatralidade dos seus comícios levava-os a crer que o ódio e o carácter primário das ideias que defendia eram, no fundo, um papel que representava para chegar a chanceler. Algo que não seria, na realidade, para levar a sério. Mesmo entre os membros da comunidade judaica alemã, muitos partilhavam desse ponto de vista, menorizando o perigo.


Mas a História veio provar o quanto estavam enganados. Hitler e Hoffmann (este último, em funções secundárias) eram actores que acreditavam verdadeiramente no enredo que interpretavam.


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