domingo, 29 de dezembro de 2013

A graçola e o seu oposto

Um fotógrafo americano não identificado, em 1900, decidiu-se por uma graçola. Com a cumplicidade dum carteiro e dos pais duma criança também não identificada, compôs um momento ridículo para os nossos fugazes sorrisos: colocou a criança, que nos fita com um olhar surpreendido, na mala do carteiro (que nos fita também com um olhar a dar para o surpreendido).

Autor desconhecido,
Carteiro com criança,
E.U.A., 1900
imagem obtida aqui
Mas como a realidade tende a ultrapassar (pela direita) a ficção, quando os correios americanos lançaram em 1913 o seu serviço de encomendas, esta encenação deixou de ter graça para os responsáveis dos serviços postais dos Estados Unidos.
A ideia de despachar de forma económica crianças interessou a mais pessoas do que se poderia prever. E apesar certamente da oposição dos funcionários, há o registo de pelo menos três situações em que crianças foram expedidas com selos colados à roupa, e levadas de comboio e camião até ao seu destino pelos correios americanos.
Surpreendida, forçada pela realidade, e definitivamente descrente das virtudes do bom senso, a direcção postal americana fez publicar regulamentação que proibia explicitamente o fenómeno. Passou a ser proibido, na letra da lei, e até hoje, o envio de crianças pelo correio.

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domingo, 15 de dezembro de 2013

Retrato duma personagem

Praticar o chamado retrato psicológico, um exercício complexo em que se tenta capturar numa fotografia os traços da personalidade do retratado, é algo que frequentemente se revela difícil.
Por vezes, descamba mesmo para o impossível, quando o alvo da lente é alguém que, na sua presença, se transfigura e se transforma numa personagem.

Este defeito, atribuído comummente a secções muito especificas e especializadas, como os actores e os políticos, quase como uma deformação profissional, atinge  situações limite. Situações em que quase se duvida da existência duma verdadeira personalidade atrás da personagem.

Refiro-me a figuras cuja aparição em público implica, ou implicava, sempre uma encenação. Andy Warhol era um desses casos. Outro, sem dúvida, era Salvador Dali.
Ambos tinham uma relação forte com a sua representação fotográfica, ambos forneceram o material visual para alguns dos mais fantásticos retratos do século vinte. Mas, quase sem excepção, o que forneceram não foi um vislumbre do seu pathos ou da sua verdade interior. O que ofereciam à câmara era uma manipulação.

Perante este facto, por vezes a melhor abordagem que um fotógrafo podia ter era hiperbolizar o que o modelo oferecia, tornar evidente essa manipulação.

Alberto Schommer, Salvador Dali, 1973
imagem obtida aqui
E Alberto Schommer, fotógrafo espanhol, sabia-o. Por isso fê-lo tão bem tão bem em 1973.

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