O título da exposição poderá parecer sugerir uma dessas exposições locais, pitorescas e olhando para o umbigo de uma povoação. Mas tal impressão é profundamente falsa. Centrada decerto num facto local, a permanência na cidade de uma família de fotógrafos durante várias gerações, a verdade é que acaba por nos dar uma fabulosa visão diacrónica da Fotografia, dos seus aspectos técnicos, estéticos, comerciais e sociais.
Reside aí a invulgaridade de A família Andrade, olhares sobre Tavira. Fugindo dos padrões mais comuns das mostras fotográficas, centrados em aspectos autorais ou temáticos, apresenta-nos a história da Fotografia comercial em Portugal, desde a fixação dos fotógrafos itinerantes ( a forma profissional mais corrente no século dezanove) à transição do negócio para o paradigma digital. Observa-se a evolução dos equipamentos e materiais fotossensíveis, da chapa de vidro (com emulsão de gelatina e sais de prata) e da pesada câmara de madeira assente em tripé ao quiosque de impressão digital, passando pelas câmaras reflex e de médio formato, pelas películas de 35 mm a preto e branco e a cores, pela iluminação de estúdio e pelo laboratório minilab. Mostra-nos a evolução dos modelos que estruturaram a prática e a acessibilidade da fotografia, do retrato formal e pesado, cheio de adereços e cenários pintados ( à maneira do francês Disdéri), em que a quase totalidade do processo fotográfico era controlada pelo fotógrafo, à fotografia do it yourself, da era do telemóvel e do facebook, em que o profissional apenas fornece o equipamento para as raras impressões. Apresenta-nos aspectos menos conhecidos, ou quase esquecidos, do retoque e coloração das impressões e da impressão por contacto à fotografia obituária.
E faz isto ( e mais) mostrando-nos a História recente de uma cidade ( e, na verdade, a de um país), desde o tempo em que a fotografia era apenas acessível a uns poucos até à actualidade, em que de tão acessível se torna desmaterializada e menos significativa ( veja-se o quase desaparecimento do hábito de manter álbuns familiares). Vê-se a evolução das indumentárias, dos hábitos, das forças sociais. Vai-se de uma sociedade fortemente estratificada, com grupos sociais visivelmente separados pela roupa e pela postura, da presença constante da forças armadas (natural em Tavira pela presença de um quartel, mas não incomum no resto país no período pós Primeira Guerra Mundial), a uma sociedade democratizada e muito mais uniformizada nos comportamentos e aparência. Pelo meio passa-se pelo Estado Novo, com a inevitável visita de Américo Tomás, acenando aos populares de uma posição elevada, e os postais de um Portugal típico com chaminés algarvias, carroças e burros. E pela Guerra Colonial, um conflito pouco fotogénico por vontade oficial e em que as imagens de Luís Andrade permitem um dos raros vislumbres que vão além da foto do soldado-fotógrafo-amador, das poses para a família e das curiosidades bélicas ou africanas.
A exposição resulta de uma óptima iniciativa do Museu Municipal de Tavira/Palácio da Galeria e do seu quadro, de uma investigação histórica de Rita Manteigas que é apresentada no catálogo da exposição, e sobretudo do cuidado e da capacidade de preservação de um espólio fotográfico espantoso, demonstrados pela família Andrade, numa atitude rara e que nos enriquece a todos.
Família Andrade, Militar, Tavira, 1920-1940
imagem obtida aqui
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A exposição termina a 7 de Janeiro de 2012, e se ainda não a viu dê corda ao sapatinho. Vale bem a pena.
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