quinta-feira, 9 de junho de 2011

Complexo de Napoleão

Observando-se retratos fotográficos do séc. XIX podemos ver o muito que as roupas, os penteados e os objectos mudaram. Mas podemos também, no meu caso observando alguns retratos de Nadar, ver o que os gestos e a postura mudaram.
É hoje inconcebível, a menos que se procure passar por lunático ou provocador, fazermo-nos registar serenamente com a mão enfiada, ao nível do peito ou da barriga, num casaco desabotoado. Esta pose transformou-se num sinónimo de perturbação mental, e a caricatura  e o cartoon recorrem a ela para sinalizar alguém alienado. A pose agarrou-se à figura de Napoleão Bonaparte, devido ao retrato pintado por Jacques Louis David, e apesar de não ser predominante nas representações coevas do imperador não parece descolar dele. Associamo-la a alguém que tem uma visão desmesurada de si próprio ou uma dissociação de identidade. Configura uma espécie de “Complexo de Napoleão” distinto da sua definição mais comum, aquela que é relativa ao complexo de inferioridade que atinge alguns homens de baixa estatura e que os faz ter acessos de fúria e comportamentos excessivos como estratégia de compensação.

Jacques-Louis David, Napoleão Bonaparte,
1812
imagem obtida aqui

























No entanto, em meados de século dezanove, as coisas ainda não tinha assumido esta conformação. Sérias figuras da intelectualidade e do meio artístico, como Delacroix , Victor Hugo e Baudelaire, podiam-se fazer retratar assim sem ironia nem provocação. A postura representava antes introspecção e altivez de carácter. Ainda hoje, muitos povos incorrem num gesto semelhante quando, em momentos graves, como um juramento ou o cantar do hino nacional, colocam a sua mão direita junto ao coração.


Dito tudo isto, duas coisas:

Uma, parece-me difícil o retorno desta pose ao léxico das posturas correntes e sérias. Não creio que vá ver nenhum prémio Nobel a fazer-se retratar assim com cerimonial.Outra, o nosso preconceito e a nossa estranheza actual faz-nos preferir imagens alternativas de figuras novecentistas que foram retratadas desta forma. Veja-se como a fotografia de Nadar com Baudelaire de pé e mãos nos bolsos é tão mais usada que a que o mesmo fotógrafo fez do poeta, sentado e em aparente identificação com Napoleão.
Félix Nadar, Baudelaire, 1855-58
imagem obtida aqui








Félix Nadar, Eugéne Delacroix,1858
imagem obtida aqui







Félix Nadar, Gioacchino Rossini,1856
imagem obtida aqui


Félix Nadar, Eugène Pelletan,1855-1859
imagem obtida aqui

Félix Nadar, Jules Hetzel, s/data
imagem obtida aqui

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