quinta-feira, 18 de julho de 2013

Uma honra dispensável

Algumas cidades portuguesas possuem uma rua António Gonçalves Curado.
A atribuição de um nome pessoal a uma rua, a um largo ou até a um beco, geralmente é uma homenagem a alguém que se distinguiu pelos seus feitos, a alguém a quem os factos da História dão relevância.
Mas António Gonçalves Curado não foi um político notável, nem um escritor dotado, nem ainda um professor amado. O grande facto da vida (passe a expressão) de António Gonçalves Curado foi o facto de ter morrido.
Ele foi simplesmente a primeira vítima, de muitas, da estranha aventura que foi a participação portuguesa na frente europeia da primeira guerra mundial.
Um conjunto de ambições, pressupostos e ilusões levaram a que os governantes da primeira república se decidissem pelo envio de um corpo expedicionário para a França e a Bélgica, arregimentado à pressa e verdadeiramente sem logística própria. Esta foi uma ajuda não desejada pelos aliados, que tiveram de o equipar e treinar para a realidade das trincheiras, algo muito diferente dos campos abertos do Ribatejo onde foi feita a instrução militar em Portugal.
Despejados na frente ocidental, os soldados do Corpo Expedicionário Português viveram a brutal natureza dos dois últimos anos dum conflito que se notabilizou por produzir mortos a uma cadência industrial, sem qualquer benefício militar para qualquer das partes. Com a agravante de, a partir de certa altura, terem sido abandonados pelo liderança política portuguesa, que envolvida nas reviravoltas e revoltas da primeira República, interrompe o envio de novas tropas, impedindo a rotações dos contingentes e prolongando os períodos de combate na frente muito para além do sustentável.
Mas António Gonçalves Curado não teve sequer a possibilidade de viver a desesperança do período final do CEP. Morreu logo a 4 de Abril de 1917, na sequência de um bombardeamento alemão que o soterrou nos escombros do abrigo onde se encontrava, na Flandres, Bélgica.

Autor não identificado,
Sepultura do primeiro soldado português morto
em combate na frente europeia da 1ª guerra mundial,
França, 1917
imagem obtida aqui

O Imperial War Museum , de Londres, que alberga a colecção de fotografias do Consulado Geral Português, conserva a imagem da sua sepultura provisória em França, onde ficariam os restos mortais até à trasladação para Portugal, em 1929, operação custeada pelo município da sua terra natal, Vila Nova da Barquinha.
António Gonçalves Curado inaugurou a lista enorme de vítimas do sector português da frente ocidental, um esforço militar em que até nas lápides e cruzes as tropas portuguesas estavam dependentes dos seus aliados britânicos (os quais, por diferenças linguísticas alteravam frequentemente os nomes). Com isso ganhou a notoriedade que lhe valeu um lugar na toponímia das cidades portuguesas.
Sem conhecer mais da personalidade e biografia do homem, arrisco-me a dizer que essa foi uma honra que que ele certamente dispensaria, tivesse ele a oportunidade de escolher o seu destino.

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