quarta-feira, 22 de maio de 2013

Uma imagem tornada impossível

Há imagens relativamente inócuas, banais, que a história acaba por tornar significativas.

Alfred Eisenstaedt,
Marlene Dietrich com Anna May Wong e Leni Riefenstahl,
Berlim, 1928
imagem obtida aqui


A imagem acima, fosse ela a cores e actual, com outras figuras do mundo do espectáculo, não se distinguiria de milhares de imagens de celebridades que alimentam as publicações de temática mais ou menos cor-de-rosa.

Alfred Eisenstaedt, grande fotógrafo, então alemão, mas que mais tarde se naturalizaria norte-americano, não foi nela particularmente feliz. Três beldades femininas, num evento mundano, imagem algo descentrada, com um espelho no plano recuado que apenas cria algum ruído visual.  Mas aqui registou três beldades muito particulares, num momento muito particular.


Alfred Eisenstaedt,
Marlene Dietrich com Anna May Wong e Leni Riefenstahl,
pormenor,
Berlim, 1928
imagem obtida aqui



À esquerda, a alemã Marie Magdelene Dietrich von Losch, mais conhecida por Marlene Dietrich. À direita, também alemã, Helene Bertha Amalie Riefenstahl, que ficaria lembrada para a posteridade como Leni Riefenstahl. No meio, a exótica Anna May Wong, norte-americana. O local é Berlim e o ano 1928. E então tudo fazia sentido. Marlene e Leni, ambas berlinenses e ambas lutando contra o papel que a família esperava delas, eram estrelas em ascensão duma das mais dinâmicas cenas artísticas e cinematográficas. Na Alemanha da República de Weimar, entre desemprego, hiperinflação e agitação política, vivia-se um momento único em termos de liberdade criativa. Anna May Wong, a primeira actriz americana de ascendência asiática (no caso, chinesa) a conseguir figurar nas grandes produções de Holliwood, rumara à capital alemã buscando uma alternativa interessante aos papéis estereotipados que lhe estavam reservados no cinema americano. Seria bem sucedida nesse propósito, protagonizando filmes não só na Alemanha como também na Grã-Bretanha, e seria acolhida na comunidade artística de modo radicalmente diferente da segregada América natal.

Alguns anos depois tudo seria diferente. A imagem tornar-se-ia impossível. A liberal vida artística alemã seria cilindrada pela realidade política. Com a subida de Hitler e dos seus nacional-socialistas ao poder , deu-se uma fractura que separou o tempo e a sociedade alemã.
Marlene Dietrich e o próprio autor da imagem abandonaram o país e tomaram o campo dos opositores do nazismo. A actriz actuaria na segunda guerra mundial para as tropas americanas e reentraria no país na esteira da sua vitória. Facto que nunca seria verdadeiramente aceite pela Alemanha do pós-guerra, que lhe reservaria o estatuto de persona non grata.
Anna May Wong, com o degradar da situação europeia retornaria a Hollywood, onde depois de "Shanghai Express", de 1932 e do realizador alemão Josef von Sternberg, e onde contracenava com Marlene Dietrich, veria a sua carreira decair sem remédio. Faleceria prematuramente em 1961, com 56 anos.
Leni Riefenstahl tomaria o campo oposto. Conheceria Hitler pessoalmente e cairia nas suas boas graças. A sua carreira de realizadora ganharia asas e voaria bem alto ao serviço da propaganda nazi, dirigindo "O Triunfo da Vontade" e "Olympia", obras formalmente espantosas de louvor ao regime. Com a derrota alemã,   a realizadora passaria vários anos presa e tentaria minorar a sua participação na máquina de propaganda de Hitler. Contrariamente a Marlene, embora não tivesse voltado a realizar grandes metragens, continuou a estar de alguma forma nas boas graças da crítica artística germânica (e até da internacional) que olhava para ela de forma algo ambígua, mas fascinada.

À data do falecimento de Marlene Dietrich, havia um público desprezo entre ambas, considerando actriz naturalizada americana que Leni tentara levar a cabo um deplorável branqueamento da sua colaboração com o delírio nazi. Algo que lhe era impossível aceitar.

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