quinta-feira, 16 de maio de 2013

Os Camisas

Há uma discussão que aflora periodicamente em Portugal inflamando ânimos, apesar duma distância temporal que começa já a ser significativa. A questão a que me refiro é da existência, ou não, duma natureza fascista em Salazar e no seu Estado Novo.
Os defensores duma, e doutra posição, substanciam frequentemente os seus pontos de vista duma forma radical, ancorados em fortes posições ideológicas.

Para alguns, essa existência é óbvia, o regime era ditatorial e nacionalista e, na sua origem, demonstrava claramente as suas afinidades. A associação do Estado Novo ao Fascismo e ao Nazismo é a mais clara forma de demonstrar a sua malignidade.

Outros porém, negam-na. Muitos deles afirmam, implícita ou explicitamente, a benignidade do regime português, demonstrando as diferenças entre este e os movimentos germânico e transalpino. Ao contrário de Hitler e Mussolini, Salazar era um ruralista e um tradicionalista. O progresso industrial e a máquina não o entusiasmavam e a pobreza fazia, a seu ver, parte da ordem natural das coisas. O seu Corporativismo era mais retórico que estrutural, era um certo ar do Tempo. O Estado Novo não era militarista e a sua violência, defendem, foi muita inferior à praticada em Itália, Alemanha e Espanha. Um dos exemplos evocados nesta defesa é o desmembramento/neutralização e silenciamento dos Camisas azuis, o movimento nacional-sindicalista de Rolão Preto, um monárquico que na fase de criação do Estado Novo tentou organizar uma estrutura semelhante aos Fasci Italiani di Combattimento.

Como em quase tudo em que há extremos, a verdade das coisas situa-se eventualmente entre eles.

Salazar não era exactamente um avatar português dos líderes italiano ou alemão. Sim, era um ruralista. Não, não gostava por aí além de multidões participativas e organizadas, a pacatez era para si quase um programa político. Não, o número de mortos portugueses resultantes da sua acção não se aproxima nem de perto, nem de longe, das cifras franquistas, nazis e fascistas, mesmo contabilizando os mortos da guerra colonial.

Porém, partir destas constatações para provar a benignidade do Estado Novo é, no mínimo, disparatado. O regime era comprovadamente antidemocrático, repressivo e censório. Manteve prisões que mereceram o título de campo de concentração, controlava de forma muito cerrada as actividades dos seus cidadãos, reprimia fortemente e sem grande pejo.
Se ideologicamente o ditador era mais um tradicionalista católico que outra coisa, e se neutralizou os camisas azuis, a verdade é que se mimetizou substancialmente a estética totalitária e a organização dos regimes seus contemporâneos. O fascismo era um comboio que alguns dos seus mais importantes seguidores queriam apanhar, e ele terá deixado a coisa correr. Também por cá se usava a saudação romana, se adoptou uma arquitectura classicizante com referências nacionalistas, se obrigou todos os jovens com frequência escolar a participar numa espécie de proto-milícia fardada - a Mocidade portuguesa.

Salazar desfez-se dos camisas azuis, mas os seus apoiantes criaram os camisas verdes. E se, como alguns dizem, esse era um ar do Tempo, Horácio Novais capturou esse ar e conservou-o em sais de prata.

Horácio Novais, Mocidade Portuguesa, sem data
imagem obtida aqui

Horácio Novais, Mocidade Portuguesa, sem data
imagem obtida aqui


Horácio Novais, Mocidade Portuguesa, sem data
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