terça-feira, 20 de novembro de 2012

Um país inventado



Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
imagem obtida aqui




Os países, como todas as criações humanas, são invenções.

Mas a percepção da sua natureza varia. Podemos caracterizar esta variação com uma escala que vai dos velhos países, onde substratos de História e Cultura acumulados velam a arbitrariedade da sua existência, aos estados falhados, nascidos recentemente do colonialismo, com uma identidade alheia às variações étnico-linguísticas dos seus habitantes e desprovidos de uma estrutura que lhe permita criar um sentimento nacional forte. Passando, pelo meio, pelos países do Novo Mundo, funcionais, mas onde a génese se expõe de forma muito clara (as suas criações derivam de factos muito precisos, simultaneamente a partir duma matriz europeia, e contra ela, numa mescla contraditória de ideais libertários e de práticas de dominação sobre minorias locais).

 Mas voltando um pouco atrás, mesmo na (velha) Europa, os conflitos identitários entre um Estado constituído e as populações  que, no seu interior, nele não se revêem,  não são inexistentes.
Na história recente da Europa, em nenhum outro caso a artificialidade dum estado terá sido tão evidente para os seus cidadãos quanto o era na República Democrática da Alemanha. 

País efémero, a RDA nasceu em contracorrente da História. O pangermanismo viera, desde o século XIX, a unir os povos de língua alemã sob um Estado. Este atingiu o seu limite máximo durante o delírio nazi, conseguindo abranger a Áustria durante um curto período.

A grande Alemanha nazi colapsaria no final da Segunda Guerra Mundial e seria ocupada. Na zona leste, controlada pelos soviéticos, a Áustria retomou a sua independência histórica, e a Prússia Oriental foi-lhe retirada e retalhada entre a Polónia, a Rússia e a Lituânia. Os restantes territórios permaneceriam alemães, mas seriam impedidos de se unirem às áreas ocupadas pelos franceses, pelos britânicos e pelos americanos. Assim o impôs a lógica da guerra fria que se iniciava então.

Esta separação forçada originou no leste um estado, a citada República Democrática da Alemanha, e no oeste outro, a República Federal da Alemanha. Este último, apesar da ocupação, acabaria por se afirmar como independente, como o herdeiro do estado alemão anterior à guerra. Quanto à RDA, apesar dos esforços de propaganda, depressa se tornou claro que era uma emanação da União Soviética, gerida por uma elite política alemã dela subsidiária.

O Estado confundia-se com as organizações comunistas criadas. Estas procuraram, ao longo dos anos, fazer convergir a identidade dos alemães de leste, através do controle político e social, da educação, da repressão, da censura. Não resultaria verdadeiramente. A RDA, vista pela maioria dos seus próprios habitantes como um pais inventado, tombaria em dias, depois de um irreal estertor em que os seus dirigentes fingiam não ver a União Soviética caminhar ela própria para a dissolução.

São fantásticas algumas das imagens desse período final. A RDA, estado nascido de uma fé não religiosa, era plena de romarias, homilias, penitências colectivas e sermões laicos, organizados com eficiência germânica, que tentavam legitimar, com aglomerações de populares, o sistema. Estas demonstrações públicas não abrandaram com o aproximar do fim, antes pelo contrário.

Jens Rötzsch fotografou, a cores, alguns desses eventos no derradeiro ano da república. O cromatismo tecnicamente limitado das películas disponíveis no leste, que tanto desagrado causava a muitos fotógrafos, ajustou-se de forma particularmente feliz ao artificialismo das paradas e comícios. E Rötzsch, ao fotografar obliquamente, fugindo à imagética totalitária dos planos de conjunto e dos grandes planos de indivíduos entusiasmados e líderes sólidos, trouxe-nos um retrato único do fenómeno.
Mais do que as imagens do último primeiro de Maio comunista de Berlim, encantam-me as imagens do encontro de Primavera (de Pentecostes) da Freie Deutsche Jugend (FDJ), a organização de juventude do regime.

Imagens de bastidores, de participantes expectantes, das encenações vistas por trás. De uma estranheza invulgar, berrantes e tediosas. Imagens que traduzem bem as declarações dos que viveram o fim da RDA. Dizem muitos deles que se vivia um ambiente de descrença e impasse, uma sociedade movida pela inércia. Que se esperava que fossem figurantes, e não actores, dum país e dum destino que se afigurava falseado e absurdo.


Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
imagem obtida aqui


Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
imagem obtida aqui
Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
imagem obtida aqui
Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
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Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
imagem obtida aqui
Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
imagem obtida aqui


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