quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Lewis, o ardiloso

Nos Estados Unidos, na transição do século dezanove para o século vinte, uma em cada seis crianças entre os cinco e os dez anos de idade encontrava-se a trabalhar. E essa realidade era estatisticamente muito mais esmagadora entre as crianças oriundas de famílias recém-chegadas ao país ou de comunidades étnicas minoritárias.

Lewis Hine,
Salvin Nocito de cinco anos a carregar bagas
Nova Jérsia, 28 de Setembro de 1910 
imagem obtida aqui


Apesar da situação norte americana não ser uma excepção a nível global no período em causa, de não haver qualquer impedimento legal e de a lógica económica de então encarar com naturalidade a exploração de toda a mão-de-obra disponível ( as crianças, pelo seu tamanho e baixo custo laboral, adequavam-se muito bem a determinados trabalhos, fosse em túneis de minas, fosse na indústria), o facto é que desponta a consciência de que socialmente era indefensável a exclusão total da escolaridade e do direito à infância. Por um lado, os sectores intelectuais e políticos mais progressivos organizam-se no sentido de expor e limitar o problema; por outro lado, os empregadores de crianças, não querendo abdicar do seu uso, têm clara consciência da inaceitabilidade crescente da situação e organizam-se para esconder e disfarçar o óbvio.
Em 1904 é criado o National Child Labor Committee, que rapidamente ganha apoios entre a classe intelectual e política, incluindo o do ex-presidente Grover Cleveland. Três anos depois, esta organização é reconhecida oficialmente pelo congresso norte americano e, embora sem poderes oficiais, acabará por ser decisiva na alteração da situação do trabalho infantil nos Estados Unidos.

Em 1908, visando registar e denunciar o trabalho infantil, o National Child Labor Committee contratou como fotógrafo Lewis Hine, um professor secundário de sociologia na progressista The Ethical Culture School, uma escola privada de Nova Iorque.
Como docente, Hine destacara-se por fazer um uso pedagógico da fotografia, levando as suas classes para Ellis Island a fim de registar as vagas de emigrantes que faziam a sua entrada nos Estados Unidos através do porto nova-iorquino. Contava igualmente no currículo o facto de, durante dois anos (desde 1906), ter fotografado aspectos da vida das comunidades de Pittsburgh ligadas à indústria do aço, colaborando no estudo sociológico designado por Pittsburg Survey, financiado pela Russell Sage Foundation.
Confrontado com a vontade dos empregadores de esconder uma realidade embaraçosa, Hine raras vezes teve autorização para efectuar livremente o seu trabalho. Ao contrário do que seria comum hoje, perante as proibições a sua estratégia não podia ser a de fazer uso de uma câmara oculta. Impediam-no o volume do equipamento que usava à época, as fracas condições de luz no interior de fábricas e minas e, facto não negligenciável, a sua abordagem ao acto fotográfico. As imagens de Hine não se orientavam no sentido da captura de um instantâneo, eram antes uma construção de pose e cena. Em certa medida próximos dos retratados de August Sander, os sujeitos das fotografias de Lewis Hine não são surpreendidos pela câmara, são antes solicitados deliberadamente a confrontá-la. Dito isto, qual era a então a sua abordagem para contornar a impossibilidade de actuar livremente? Muitas vezes não conseguia simplesmente entrar nos locais de trabalho do trabalho infantil e restava-lhe fotografar no exterior, nos portões das fiações e das siderurgias, nos acessos das minas.

Lewis Hine,
embaladores na conserveira Seacoast Canning Co
Eastport, Maine, Agosto de 1911
imagem obtida aqui

Mas outras vezes conseguia, com os seus negativos de vidro, com o seu magnésio (que era usado para produzir os clarões necessários à iluminação das cenas) e com a demais parafernália, entrar nos redutos industriais. Para tal apresentava-se como um inspector de empresas seguradoras ou como um fotógrafo de postais, apelava às obrigações de capatazes e proprietários, ou à sua vaidade. Aqueles que, de outro modo, o correriam com impropérios para fora das instalações, tornavam-se seus colaboradores, colocavam a criança “que estava apenas a visitar familiares” a trabalhar junto da máquina para dar a devida escala à cena. Hine, ardiloso, aproveitava-se do seu desejo de querer ficar bem na figura.

Lewis Hine,
Rapazes na fiação Bibb,
Macon, Georgia, 19 de janeiro de 1909
imagem obtida aqui


Lewis Hine,
Enroladores de charutos na Tabaqueira Englahardt & Co,
Tampa, Florida, Janeiro de 1909
imagem obtida aqui


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