segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

As nuvens de Roger Fenton


Roger Fenton,
Vista de Balaklava a partir da colina da guarda,
prova  de papel salgado a partir de negativo de vidro, Crimeia,1855
imagem obtida aqui



Poder-se-á eventualmente pensar que o sucesso estético de Roger Fenton nalgumas das suas imagens do território da Crimeia (onde se dirigira para cobrir o conflito que opunha ingleses, franceses e otomanos aos russos) resulta duma singularidade, que advém do confronto com a peculiar natureza do terreno e a sua textura. Mas uma olhadela rápida sobre a sua biografia rapidamente desmente essa possibilidade.
Pertencente a uma família ligada á indústria e à banca, Fenton oscila ao longo da vida entre as artes e a advocacia, acabando esta última por ser a sua opção derradeira quando, em 1862, vende todo o equipamento fotográfico, bem como os seus negativos, e abandona a prática artística. Pelo meio, estudou pintura em Londres e Paris, onde foi copista no museu do Louvre, enveredou pelo ensino na North London School of Drawing and Modelling e, a partir de 1851, tornou-se fotógrafo. Especula-se que terá aprendido a técnica do Calótipo em papel encerado com Gustave Le Gray, em Paris, e verificar-se-á posteriormente, quando já usando negativos em vidro segundo o processo do colódio húmido, uma fidelidade à realização das provas em papel salgado. Estas, pelo seu resultado final, mais texturado e menos nítido que as provas de albumina entretanto aparecidas, remetem-nos muito mais facilmente para um contexto pictórico.
Enquanto fotógrafo, num percurso não invulgar na época e sobretudo nos pintores tornados fotógrafos, trabalha segundo as temáticas típicas da tradição da pintura europeia: paisagem, retrato, natureza-morta. Trabalha igualmente nos chamados “tableau-vivant”, ou seja, a versão fotográfica da chamada pintura histórica, em que encenando figurantes e adereços se criam quadros teatrais representativos de uma acção ou de um facto histórico.

Roger Fenton,
Natureza-morta com fruta,
prova de albumina a partir de negativo de vidro,1860
imagem obtida aqui


Roger Fenton,
Paisagem com ponte e rio
prova de papel salgado a partir de negativo de vidro, 1856
imagem obtida aqui


Roger Fenton, 
Odalisca,
prova  de papel salgado a partir de negativo de vidro, 1858
imagem obtida aqui


Observando-se a sua obra, verifica-se que é muito mais feliz na natureza morta (onde a sua maestria técnica se impõe) e no género paisagístico, seja na paisagem tout-court , seja na captura de cenários arquitectónicos. É aí que se sente que Fenton tem algo para dizer, ao contrário das suas insípidas encenações orientalistas, em que fica longe do brilhantismo dramático e teatral dos quadros vivos de Henry Peach Robinson, do simbolismo de Julia Margaret Cameron e da megalomania alegórica de Oskar Gustav Rejlander.

Fundem-se na fotografia paisagística de Fenton a tradição pictórica britânica da paisagem (lembremo-nos de Constable) com um certo “ar do tempo” ligado ao culto romântico da ruína e da memória, e até com uma perspectiva da paisagem como epifânia, como revelação do espiritual (algo que o aproxima dos pré-rafaelitas). E nessa área fotográfica em particular era-lhe reconhecida a primazia – em 1858, numa crítica do Journal of the Photographic Society, relativa à exposição anual da Royal Photographic Society, afirma-se: “ em Paisagem, Fenton é inalcançável(…)há um tal sentimento artístico na totalidade destas imagens(…) que não podem deixar de tocar o observador como sendo algo mais que simples fotografias”.

Afirmada esta particular identificação de Fenton com a paisagem, que impossibilita que se olhe para as imagens da Crimeia como um acidente, há que reforçar  dizendo que é aí que, na obra de Fenton, nos confrontamos com verdadeiros momentos de espanto e assombro.
Insiro nessa categoria a belíssima “Paisagem com nuvens”, em que as limitações de latitude de exposição da emulsão, que reduzem a zona térrea da imagem a uma silhueta, acentuam o dramatismo e a horizontalidade da imagem, conferindo-lhe uma particular sensação de espacialidade. Ao contrário de Gustave Le Gray, seu contemporâneo e seu eventual formador (e um fascinado fotógrafo de nuvens), aqui o objectivo não é compatibilizar a exposição acertada do céu com o detalhe da terra. A atenção centra-se antes no registo do informe e, através dele, no potenciar da representação do espaço, um pouco à maneira de um quadro de Turner.

Roger_Fenton, Paisagem com nuvens
prova  de papel salgado a partir de negativo de vidro,
Grã-Bretanha, 1856
imagem obtida aqui


O campo estético que Fenton aqui trabalha não é tanto a captura do Belo, daquilo que nos conforta, mas sim o do Sublime, o do confronto com as coisas que nos desafiam.

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