quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Horizonte de estranheza

Há muito que se sabe do papel transformador que o tempo tem na fruição duma obra de arte. Marguerite Yourcenar, notável escritora, dedicou aliás um belíssimo livro ao tema. E se essa realidade é aplicável aos textos dramáticos, à pintura e à escultura, é-o talvez ainda mais à fotografia.

Há na fotografia, sobretudo naquela que se pretende constituir como documento, um discurso implícito sobre o tempo. A fotografia “congela” um instante, extraindo-o do devir temporal. Mas esse isolamento criada pelo fotógrafo, não é controlado por ele. Os materiais “degradam-se”, os contrastes atenuam-se, os brancos amarelecem. Mais ainda, o tempo acaba quase sempre por criar um horizonte de estranheza, para lá do qual se situa a imagem.

A legenda ou o título são um último recurso, a linha que tenta puxar para nós o instante definitivamente alienado, condenado a essa desafiante e encantadora estranheza.


Berenice Abbott,
Montagem de um computador IBM,
EUA, cerca de 1958
imagem obtida aqui

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