quarta-feira, 17 de abril de 2013

O cão de Billie Holiday

Durante os anos em que William Gottlieb foi uma espécie de cronista fotográfico do Jazz, cruzou-se praticamente com toda a gente que era alguém nesse mundo. Gente e não só.
Billie Holiday foi uma figura incontornável dessa era dourada. Uma voz invulgar e um estilo único de interpretação tornam-na inesquecível. Mas à semelhança de outras figuras suas contemporâneas no jazz, como Charlie Parker, parecia encerrar em si uma tendência auto-destrutiva.
Filha de um pai ausente (um músico das big bands da altura, sem vocação parental), com uma mãe negligente, violada antes da adolescência por um vizinho,  parece situar-se na infância a origem dessa tendência, provavelmente alimentada por uma falta de afecto que se tornou patológica.

Como muitas vezes explicam os especialistas, as carências tendem a ser sublimadas por substitutos, por excessos. E na vida da cantora não faltaram substitutos e excessos. Repetidas relações amorosas com homens abusadores, consumo de drogas, um abuso de álcool que culminaria na sua morte em idade muito precoce.  Nessa cadeia de sublimações duma vida sem afectos duradouros e serenos, talvez o único facto positivo, e conhecido, fosse  a sua adoração por cães.  Durante a sua vida adulta fez-se sempre acompanhar por um, e a sua dedicação a eles era indesmentível. Dizia-se que a sua lista de compras diárias consistia em três coisas: Cigarros, Gin e comida para cão.

Quando tal comportamento era totalmente incomum, ao contrário do mundo das celebridades actual, levava-os consigo onde quer que fosse. Trazia-os para as salas e clubes onde cantava, para os seus camarins, para os bares onde continuava a noite.

Foi por aí que Gottlieb se cruzou com Mister, o boxer que partilhou a vida de Holiday  nos anos quarenta do século passado. Animal nervoso, de feitio difícil e dentada fácil, todos o conheciam pelo nome. Habituado à vida conturbada da  dona, instituíra-se como seu defensor. Tenso, apenas relaxava junto à dona. Especulava-se que se atirara, por mais que uma vez, aos nada recomendáveis companheiros da cantora. Era o seu baluarte.

William Gottlieb, Mister, o cão de Billie Holiday,
Nova Iorque, E.U.A., 1940-48
imagem obtida aqui




Gottlieb fez cinco fotografias de Mister. Quatro junto a Billie Holliday. Na restante, o cão teve honras de modelo único, tratamento de vedeta. Com trela, sentado numa mala (de chapéus?), em estado de prontidão aparente.
Eu sei que os boxers são cães de olhar melancólico, mas vendo a fotografia, eu juraria que dá para perceber que este era um animal que carregava demasiadas responsabilidades.

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