terça-feira, 12 de março de 2013

As mães migrantes de Dorothea Lange

Alguns fotógrafos, por uma rara conjugação de factores, têm a felicidade de fazer uma foto que se torna "a imagem" de uma determinada época, de um determinado fenómeno, de um conflito.
Essa felicidade tem um contraponto porém. Como um buraco negro, a fotografia icónica parece absorver toda a sua obra.

Dorothea Lange, fotógrafa norte-americana, fez em 1936 a imagem que se tornou um símbolo da Grande Depressão. Esta começara como um fenómeno da grande finança, um incidente do mercado de valores, em 1929, e rapidamente alastrara de forma dramática para a chamada economia real.

Rondal Partridge, Dorothea Lange, 1936
imagem obtida aqui


A perspectiva inicial dominante das autoridades dos Estados Unidos, onde se dera o crash bolsista, e da maioria dos países industrializados foi, basicamente, a de não fazer nada e esperar que passasse. Os resultados desta abordagem "naturalista" foram catastróficos: o comércio mundial caiu para metade, o desemprego aproximou-se do terço da população activa,  o sistema bancário praticamente colapsou e os preços das materias-primas cairam a pique.

Em 1933, Franklin Roosevelt tomou posse como presidente nos Estados Unidos e iniciou um ambicioso projecto de revitalização económica, o chamado "New Deal". Nasceu daí a campanha fotográfica da RA (Resettlement Administration), mais tarde renomeada FSA (farm security admnistration), que visava dar visibilidade à pobreza rural que grassava no país, e convencer as franjas da população que permaneciam opositoras ao plano de combate à pobreza.

Dorothea Lange seria contratada para esta campanha e desenvolveria ao longo de quatro anos, de 1935 a 1939, um vasto trabalho sobre as populações rurais. E em 1936, cruzou-se com Florence Owens Thompson, uma trabalhadora migrante de 32 anos, mãe de vários filhos, que se vira forçada a acampar em condições miseráveis, no norte da Califórnia, enquanto esperava a reparação do carro em que deslocava de terra em terra, em busca de trabalho. Faria com ela seis imagem, mas apenas a de plano aproximado, de rosto carregado com um bebé ao colo, e duas crianças um pouco maiores a ela encostadas, viria a obter uma atenção maior. Serviria, como praticamente nenhuma outra, o propósito da FSA de mostrar o quanto a economia debilitada estava a ter um impacto pessoal avassalador em muitos americanos.

Dorothea Lange, mãe migrante, 1936
imagem obtida aqui


O esmagador sucesso desta imagem acabaria por, de alguma maneira, ofuscar muito injustamente o restante trabalho da equipa da FSA, que não teria para a posteridade o destaque da fotografia de Lange.

As razões da particular eficiência desta imagem, da sua atracção, são múltiplas e subtis. Não se prendem apenas com olhar compassivo com os desapossados; esse olhar era a marca-de-água do projecto da FSA, imprimida por Roy Striker, o responsável. E não se prendem exclusivamente com a temática da maternidade. Para além de outros a terem trabalhado, a própria Lange a abordou outras vezes, mesmo depois da FSA, sem o mesmo apreço público avassalador.
Mesmo quando as imagens era fortes e belíssimas.
Um exemplo: em 1940,em Maricopa, Arizona, num trabalho apoiado pela WPA (Works Project Administration), outro projecto governamental norte-americano da era Roosevelt, Dorothea Lange captou uma outra mãe migrante, uma apanhadora de algodão, com o seu filho de meses.

Dorothea Lange,
Apanhadora de algodão migrante e o seu filho,
Maricopa, Arizona, EUA, 1940
imagem obtida aqui


A imagem é tocante e reveladora da mesma pobreza nas classes trabalhadoras do período, mas não há nela a secura da fotografia de 1936, não há a mesma a sensação de rumo perdido.


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