domingo, 21 de novembro de 2010

ONTOS - Um atum da Madeira em Oxford

De entre a enorme gama de fenómenos que encontramos na Internet, e que incorrem na categoria de coisas simultaneamente patetas e sérias, existe um jogo intitulado The Oracle of Bacon, criado por Brett Tjaden. Esta pequena maravilha consiste simplesmente num único princípio, o de ser possível relacionar alguém, qualquer pessoa, que tenha tido um qualquer papel na indústria do cinema, com o actor norte-americano Kevin Bacon, em não mais de seis passos. O objectivo do jogo é, obviamente, conseguir fazer essa ligação. E, se possível, num número mais curto de passos.
O interessante é que algo que parece um óptimo exemplo de um produto destinado a queimar tempo de forma orgulhosamente fútil se baseia num estudo sobre a interacção humana , assente em várias experiencias conduzidas por Stanley Milgram e outros investigadores, sobre as redes sociais nos estados unidos, e que conduziram à chamada Teoria do Mundo Pequeno. Esta  parece confirmar cientificamente o velho lugar-comum de “O mundo é pequeno” e diz-nos que em sociedades abertas é possível relacionar qualquer dos seus membros em não mais de seis graus.
Este avanço científico glorifica formas absolutamente parvas de relacionar factos, e abre-nos todo um mundo novo de possibilidades sem que nos possam apontar um dedo acusador. Ao fim e ao cabo estamos a demonstrar o nosso muito douto know-how sociológico.

Um exemplo. Como se pode relacionar um pescador madeirense do século dezanove com a Alice do país das maravilhas?
É fácil! Em meados do século dezanove, pescadores madeirenses capturaram um atum que foi comprado por Henry Acland, médico e professor inglês que se encontrava na ilha acompanhando o paciente e amigo Henry Liddell, deão do Colégio universitário Christ Church, em Oxford. O deão encontrava-se na ilha, à semelhança de muitos dos seus conterrâneos abastados, por motivos de saúde, fugindo à agressividade do inverno britânico. Henry Acland adquire o enorme peixe e providencia que seja encaminhado para Oxford onde, depois de liberto das partes moles, será objecto de estudo nas aulas de anatomia de Christ Church. Actualmente, à semelhança de outras recolhas de Henry Acland, encontra-se ainda na cidade universatária inglesa, no Natural History Museum. Em 1857, Acland solicita ao jovem professor de matemática Charles Dodgson, que se dedicava à recente arte da Fotografia, que registasse o esqueleto do atum.

Charles Dodgson, Esqueleto de Atum, Oxford, 1857
imagem obtida aqui
 
Charles Dodgson fotografará o esqueleto e, mais tarde, fotografará igualmente a filha de Acland, Sarah Angelina Acland, e as crianças do deão de Christ Church, Henry Lidell.
As filhas de Lidell serão, aliás, durante algum tempo os seus modelos de eleição. E uma delas em particular, Alice Lidell, ficará para sempre ligada ao jovem matemático, muito embora essa ligação tenha sido mais tarde minorada por este. Nos passeios e expedições fotográficas que foram feitas, para entretenimento das crianças Dodgson desenvolveu uma narrativa em que estas são personagens. Por insistência de Alice, acabará por fazer um manuscrito com essa narrativa para lhe oferecer. E mais tarde desenvolverá, e apurará, a história, que será publicada com o título de “Alice in Wonderland”, assinada com o seu pseudónimo literário, Lewis Carrol.

E é assim que, aparvalhadamente, se liga um anónimo pescador madeirense a Alice no País das maravilhas em quatro passos.

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