Júlio Assis Ribeiro, SP_A_TRÇ_01 - Traça, 2010
O bicho é aquilo a que chamam traça. Alguns chamam-lhe também mariposa. E já ouvi meterem-na no mesmo saco das borboletas, embora não ponha, quando em descanso, as asas ao alto.
Têm uma fama terrível as traças. Acusam-nas de comer roupa.
Confesso que nunca vi nenhuma a almoçar uma camisola ou um par de meias, mas juram-me que sim, que as desgraçadas se refastelam de algodão e lã. Até agora, por observação directa, culpo apenas as suas larvas de dizimarem aquilo que pomposamente chamo "O Meu Relvado", porque em resposta costumo tratar-lhes eu da saúde com um granulado que me empesta o quintal por alguns dias.
Mas retornando à roupa, da fama não se livram, e eram as responsáveis por um dia especial que acontecia duas vezes por ano.
Na mudança de estação, no primeiro mais quente ou mais frio, invadia as escolas onde estudei um cheiro adocicado. Em resposta à metereologia, muitos iam buscar roupas que haviam sido resguardadas em roupeiros e arcas, onde as mães, por claros maus instintos, tentavam impedir as comensais de se alimentarem com umas bolas brancas,venenosas, de cheiro forte, que amíúde se põem igualmente nos urinois públicos para disfarçarem o fedor ( conseguindo um inimitável bouquet, mistura sábia de vários pivetes).
Não sou senhor de um bom nariz. Desgraçadamente, essa minha protuberância fecha metade do ano para obras, por alergias, e pensava que esta memória estudantil, se calhar, era criação mental minha. Mas, conversando com alguns companheiros da época, concluí que não. Todos se lembram daqueles dias de roupa subitamente agarrada das catacumbas, sem direito a lavagem profiláctica. Todos se lembram do Dia da Naftalina.
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