Julia Margaret Cameron, Princípe Alamayou, 1868
imagem obtida aqui
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Julia Margaret Cameron fotografou brilhantemente realeza e poderes imaginários de diferentes proveniências, do mito arturiano ao panteão greco-romano de deuses e reis. Fê-lo com encenação, com técnica e sem receio. Desfocava e expunha longamente, procurava o irreal e o inverosímel, e conseguia-o.
Mas, numa ocasião, fotografou um príncipe verdadeiro. Alamayou é a criança de sete anos que Cameron fotografa por várias vezes. Umas com o seu primeiro tutor inglês,o capitão Tristram Speedy. Outras, novamente com Speedy e um abissínio anónimo. Por fim, Alamayou figura só, em pose de descanso com suposto cenário abissínio e traje a condizer. Furta-se Julia Cameron ao fato de pequeno lorde inglês que o menino usará no seu dia a dia, e com que será registado noutros retratos. Quer o princípe de um império estranho, distante, orgulhoso, misterioso. E quere-o na ilha de Wight.
Mas creio que o ar obviamente triste do pequeno príncipe não é encenado. A sua presença em território inglês não é planeada ou desejada. Capturado meses antes em Magdala, capital provisória da Etiópia ( como quase todas as outras capitais que o reino teve), na sequência de uma expedição punitiva do império britânico, é levado para a Inglaterra após o tremendo massacre em que, quase sem baixas, as forças imperiais dizimam milhares de resistentes etíopes e levam ao suicído do pai de Alamayou, o imperador Tewodros II.
Em rigor, a criança é um troféu e acompanha o produto do saque da corte etíope, nomeadamente a coroa de Tewodros II, que é feito chegar à sede do império.
A rainha Vitória interessar-se-á pelo jovem herdeiro e providenciará para que seja educado como gentleman britânico, encaminhando a criança, que desconhecera a faca e o garfo até aos sete anos, para o mundo dos protocolos e convenções de Oxford. Esperava-se criar um novo imperador à imagem da Europa. Mas o príncipe será sempre um estranho, um prisioneiro, mesmo que sem grilhetas e vestido com o melhor tweed. Pede inúmeras vezes o retorno, ecoando o pedido que a avó tenta fazer chegar em cartas enviadas da terra natal, e que se pensa terem-lhe sido omitidas.
Não acontecerá nunca o retorno. Aos dezoito anos, falhados os estudos na Rugby School de Oxford, e insatisfeito com a academia militar de Sandhurst onde fora entretanto inscrito, Alamayou desvanece-se em seis semanas, após contrair pleuresia durante a estadia em casa de um seu antigo tutor, Cyril Ransome.
Sepultado na capela real de St. George, no castelo de Windsor, Alamayou é ainda hoje alvo de diferendo entre a Etiópia e o Reino Unido, exigindo a primeira o repatriamento dos restos mortais do princípe.
Há, nesta história de príncipes, muito pouco de Saint-Exupéry e bastante de Maquiavel.
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