Russell Lee, Arthur Rothstein,
Washington, Janeiro de 1938
imagem obtida aqui
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A FSA foi uma agência norte-americana criada durante o governo de Franklin Delano Roosevelt, no âmbito do seu New Deal, designação que englobava um conjunto de medidas de intervenção directa do Estado na economia, visando combater a chamada "Grande Depressão".
A função específica da FSA era combater a pobreza rural e provavelmente teria caído no limbo do esquecimento, como outras entidades burocráticas do período, não fosse o facto de ter tido precisamente um departamento de informação, dirigido por Roy Stryker.
A função específica da FSA era combater a pobreza rural e provavelmente teria caído no limbo do esquecimento, como outras entidades burocráticas do período, não fosse o facto de ter tido precisamente um departamento de informação, dirigido por Roy Stryker.
A existência desse departamento devia-se ao facto de ser necessário garantir o apoio público às iniciativas do governo Roosevelt, que enfrentava forte oposição republicana (esta defendia que a melhor forma de combater a crise era através de uma rigorosa política orçamental e de desregulamentação, abstendo-se o Estado de uma intervenção directa e sistemática). Stryker fez-se rodear duma equipa de fotógrafos e encaminhou-os para as áreas rurais com a missão de documentar os efeitos devastadores da crise e os planos em curso do governo. As fotografias deste grupo notável eram posteriormente encaminhadas para os jornais e campanhas públicas. A sua qualidade acabaria por ser marcante e é referência no campo da história da fotografia e do imaginário norte-americano.
Mas a acção da FSA e do seu departamento de Informação foi, à época, controversa. Se para os detractores de Roosevelt, a política de apoios públicos a sectores em grandes dificuldades era inaceitável, o financiamento estatal dum projecto fotográfico daquela natureza era simplesmente um ultraje. E comparações entre os objectivos da FSA e a forma como governos totalitários da época, como os sistemas soviético e nazi, controlavam e manipulavam a informação não deixaram de aparecer no debate público.
Consciente disso, Stryker procurou colar a acção dos seus colaboradores a uma perspectiva documental. Embora o tipo de imagens procurado e divulgado fosse determinado e controlado, visando expor o lado mais miserável da América em plena Grande Depressão, e a implementação de iniciativas do New Deal, Stryker solicitava que se evitasse a encenação e manipulação das ocorrências. Os seus fotógrafos deviam registar factos reais e interferir o mínimo no desenrolar dos eventos.
Como dito anteriormente, Arthur Rothstein fazia parte da equipa da FSA e, na Primavera e início do Verão de 1936, andou pelos Estados centrais americanos em trabalho. E esse foi um ano sensível. Por um lado, a o país parecia castigado não só pela crise económica, como pela inclemência da natureza e do clima. Uma seca catastrófica mataria as colheitas e parte do gado nas grandes planícies, ventos inclementes criariam tempestades de poeira a partir da terra seca, e pragas de gafanhotos e roedores destruiriam o que sobrara. Por outro lado, esse era o ano em que Roosevelt lutava pela reeleição e pela continuação do seu plano de recuperação, e todas as polémicas e escrutínios afloravam nos jornais.
Rothstein conseguiria nesse ano algumas das suas mais significativas imagens, registado as tempestades de poeira e as vagas de agricultores arruinados que rumavam ao Oeste em busca de melhor sorte, um fenómeno que o escritor John Steinbeck registaria mais tarde, e de forma magistral, no romance "As vinhas da Ira". Arthur Rothstein acabaria porém, de forma inadvertida, por se ver colocado no centro das lutas políticas entre apoiantes e opositores de Roosevelt.
Arthur Rothstein,
Filho de agricultor durante tempestade de poeira,
Oklahoma, Abril de 1936
imagem obtida aqui
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Arthur Rothstein,
Carroça moderna a caminho do Oeste em busca de trabalho,
Dakota do Sul, E.U.A., Junho de 1936
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Arthur Rothstein,
Maquinaria em quinta abandonada,
Oklahoma, Abril de 1936
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Em Maio, ao passar pelas Badlands do Dakota do Sul, encontrou um crânio de boi ressequido e decidiu fazer uma série de imagens conjugando a ossada com a aridez daquelas terras pobres e exauridas por pastagem excessiva. Fez cinco imagens com disposições diferentes e depois encaminhou os negativos para a sede.
Arthur Rothstein,
Crânio de boi esbranquiçado em terra terra queimada pelo sol,
Dakota do Sul, E.U.A., Maio de 1936
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Arthur Rothstein,
Crânio de boi em pastagem remota e esgotada,
Dakota do Sul, E.U.A., Maio de 1936
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Arthur Rothstein,
Pastagem sobreexplorada,
Dakota do Sul, E.U.A., Maio de 1936
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Arthur Rothstein,
Pastagem sobreexplorada,
Dakota do Sul, E.U.A., Maio de 1936
imagem obtida aqui
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Arthur Rothstein,
Terra gretada e seca,
Dakota do Sul, E.U.A., Maio de 1936
imagem obtida aqui
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Mais tarde, um editor da agência Associated Press , sem prestar grande atenção à legenda de Arthur Rothstein, tomou uma das fotografias como um exemplo da seca que atingira o pico nesse Verão, e assim a fez difundir pela imprensa nacional.
Os editores conservadores do The Fargo Forum, Jornal da maior cidade do Dakota do Sul, ao observarem uma cena comum após o degelo naquelas paragens , mesmo em anos de bonança, ser apresentada como prova de seca extrema, deram início a uma série de artigos que pretendiam expor o desperdício de dinheiros públicos na criação dum embuste.
Recorte do jornal The Fargo Forum, 1936 imagem obtida aqui |
Com a divulgação das outras imagens da série as críticas subiram de tom na medida em que ficou evidente que tinha havido manipulação das ossadas para acentuar o dramatismo. A polémica saiu das fronteiras de Fargo, tornou-se nacional e levou a que um porta-voz da FSA tivesse que vir publicamente defender que não se tratara de uma falsificação, e que todas as movimentações do crânio se haviam dado num raio de dois metros, descartando uma verdadeira encenação como pretendiam os críticos.
Mas o facto é que houvera uma saída dos padrões documentais que a agência invocava.
As razões que estão por detrás desta variação ao método de trabalho documental que era padrão na FSA são pouco claras e vagas. Numa entrevista muito posterior, o autor das imagens defendeu-se dizendo que as encarara como um exercício formal, tentando conjugar a texturas do crânio e da terra, as rachas do solo, a luz e seu movimento este-oeste à medida que o dia avançava. Outra hipótese avançada seria a de que Rothstein usara a ossada para introduzir uma noção de escala, uma vez que, em correspondência com Stryker, este se queixara do carácter impreciso e abstracto das suas paisagens anteriores. E James Curtis, um investigador bastante crítico da pretensões de neutralidade documental da FSA, avança com ideia de que Arthur Rothstein fizera as imagens com o propósito de as usar mais tarde na promoção do filme “The Plow that Broke the Plains” .
Para a generalidade das pessoas, esta polémica parece hoje fútil e apenas explicada pelo calor da luta política naquela campanha eleitoral de 1936. Os resultados da controvérsia seriam nulos, Roosevelt ganhou por larguíssima margem ao seu opositor, e o tempo ajudou a repor as coisas em devido sítio.
Se, de facto, não nos parece sustentável dizer que o projecto da FSA estava imbuído de estrita neutralidade documental, comparar a acção do seu departamento de Informação às máquinas de propaganda dos regimes soviéticos e nazi é simplesmente um delírio.
Afinal, a grande acusação do The Fargo Forum era a de que Stryker e os colaboradores estavam a forjar imagens duma seca severa e histórica que estava de facto a acontecer.
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