sábado, 28 de dezembro de 2019

A revelação do Mundo

Os textos de Martin Heidegger, fortemente ancorados na linguagem (leia-se: na língua alemã) têm tanto de hermético como de marcante.

Muitas vezes, beneméritos, como Gianni Vattimo, fizeram o favor de intermediar e facilitar o acesso ao difícil Heidegger. Um belíssimo texto do italiano, em tempos traduzido para Português numa edição da Relógio D’Água, apresentava-nos dois conceitos de Heidegger, traduzidos para “Terra” e “Mundo”. Terra é a realidade exterior ao Homem, que lhe é pré-existente e à qual não pode aceder na totalidade. Mundo será a abertura pela qual o ser humano se relaciona com essa realidade, limitado pela História, pela Biologia e pela Linguagem.Por vezes, os grandes autores, os grandes poetas, provocam um estiramento dessa abertura, alargando os horizontes cognitivos e perceptivos da humanidade. Cria-se mundo nesses momentos de revelação.

Esta maravilhosa e poética concepção adequa-se perfeitamente ao fotógrafo suiço-americano Robert Frank, recentemente falecido. A Fotografia de Frank, dura, áspera, verdadeira, não teve sucesso fácil e rápido. “The americans“, fotolivro e projecto fundador, totalmente fora do cânone, foi acolhido com frieza ou, mais frequentemente, com desprezo. Mas a Fotografia de Robert Frank acabaria por se afirmar como profundamente marcante, e muita da mais interessante fotografia contemporânea radica nela.

Chamar Frank para o panteão dos grandes poetas que alargam a experiência humana não é um exercício fútil. O escritor Jack Kerouac, que escreveu o texto introdutório de “The americans“, teve logo aí essa intuição : “Robert Frank, suíço, discreto, simpático, com aquela pequena câmara que ergue e dispara, e que com uma mão extraiu para a película um triste poema da América , toma o seu lugar entre os poetas trágicos do mundo”.

Robert Frank,
Paris,
França,1949
imagem obtida aqui

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

A fulminante empatia de Voula Papaïoannou

Voula Papaïoannou possivelmente não será dos nomes mais falados da fotografia, mas é sem dúvida uma autora que urge conhecer.

A fotógrafa grega, que começou por uma aproximação à fotografia através da paisagem e da captura da riqueza arqueológica do seu país natal, começou com o início da segunda guerra mundial a fotografar com fulminante empatia a dureza da vida sob a ocupação alemã. Tendo registado a fome produzida pelo deliberado saque dos ocupantes, seguiria fotografando, depois da sua derrota, e já ao serviço das Nações Unidas, o sofrimento e dor dos gregos na guerra civil. Mas depois, nos anos que se seguiriam, seria também ela capaz de criar imagens de um optimismo e humanismo únicos, de um povo habituado a lidar histórica e intimamente com a dificuldade e a dureza.

Imagens com as quais os portugueses têm decerto uma natural afinidade.


Voula Papaïoannou,
Mulheres carregando pedra,
Grécia, cerca de 1945
imagem obtida
aqui