Inicialmente, a Fotografia socorreu-se das convenções da Pintura, mas depressa as possibilidades únicas do meio permitiram-lhe emancipar-se. O instantâneo fotográfico facultaria um outro olhar sobre a alma humana.
Teorias sobre como obter o retrato perfeito não faltam. Livros que as explicam também não.
Eventualmente não há O retrato prefeito. Há retratos perfeitos.
Fred Stein obtinha-os. Arnold Newman também. E não há maneiras mais diferentes de tratar o tema. Um trabalhava cirurgicamente sobre o rosto, o corpo, a postura e o movimento, com a agilidade da sua Leica (ou, quando muito, com uma Rolleiflex). O segundo, trabalhava sobre a identidade, o retratado era capturado com as referências visuais do seu trabalho, com as ferramentas, na sua casa. E fazia-o muitas das vezes com uma pesada câmara de grande formato.
Gosto bastante de Woody Allen.
Conheço-lhe vários retratos. Gosto bastante do que foi feito por Newman. O de Steve Schapiro diverte-me. Mas o seu retrato perfeito, para mim, foi feito por Ruth Orkin.
Data de 1963, e Woody Allen era então apenas um comediante e um escritor de gags para televisão.Não realizara ainda nenhum filme, não estreara peças e nem se sonhava com a complexidade de referências que a sua obra futura tomaria.
Mas este retrato consegue a proeza de tudo isso enunciar.
Ruth Orkin, Woody Allen no Metropolitan Museum of Art,
Nova Iorque, 1963
imagem obtida aqui
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Há na imagem a ironia fina e triste que será característica da obra madura do nova-iorquino. Há igualmente o sentido de auto-exposição, da apresentação do seu corpo e dos seus trejeitos.
E depois, há uma assumpção que é interessante por ser dada num retrato.
Nos retratos ambiciona-se capturar a verdade psicológica do retratado. A imagem criada por Orkin e Allen subverte essa ambição. Este retrato confronta-nos com a construção de uma representação, e com essa natureza muitas evitada, e negada, do retrato enquanto construção.
À primeira vista temos um efeito cómico, com Woody Allen armado em mimo a replicar a pose do aristocrata da pintura, mas o olhar sério deste destrói a comicidade óbvia. E acabamos com um jogo que evidencia a impossibilidade de darmos aos outros uma representação que respeite plenamente as convenções.
Somos sempre patéticos quando comparados com aquilo que devíamos ser.
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