Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
imagem obtida aqui
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Os países, como todas as criações humanas, são invenções.
Mas a percepção da sua natureza varia. Podemos caracterizar esta variação com uma escala que vai dos velhos países, onde substratos de História e Cultura acumulados velam a arbitrariedade da sua existência, aos estados falhados, nascidos recentemente do colonialismo, com uma identidade alheia às variações étnico-linguísticas dos seus habitantes e desprovidos de uma estrutura que lhe permita criar um sentimento nacional forte. Passando, pelo meio, pelos países do Novo Mundo, funcionais, mas onde a génese se expõe de forma muito clara (as suas criações derivam de factos muito precisos, simultaneamente a partir duma matriz europeia, e contra ela, numa mescla contraditória de ideais libertários e de práticas de dominação sobre minorias locais).
Mas voltando um pouco atrás, mesmo na (velha) Europa, os conflitos identitários entre um Estado constituído e as populações que, no seu interior, nele não se revêem, não são inexistentes.
Na história recente da Europa, em nenhum outro caso a artificialidade dum estado terá sido tão evidente para os seus cidadãos quanto o era na República Democrática da Alemanha.
País efémero, a RDA nasceu em contracorrente da História. O pangermanismo viera, desde o século XIX, a unir os povos de língua alemã sob um Estado. Este atingiu o seu limite máximo durante o delírio nazi, conseguindo abranger a Áustria durante um curto período.
A grande Alemanha nazi colapsaria no final da Segunda Guerra Mundial e seria ocupada. Na zona leste, controlada pelos soviéticos, a Áustria retomou a sua independência histórica, e a Prússia Oriental foi-lhe retirada e retalhada entre a Polónia, a Rússia e a Lituânia. Os restantes territórios permaneceriam alemães, mas seriam impedidos de se unirem às áreas ocupadas pelos franceses, pelos britânicos e pelos americanos. Assim o impôs a lógica da guerra fria que se iniciava então.
Esta separação forçada originou no leste um estado, a citada República Democrática da Alemanha, e no oeste outro, a República Federal da Alemanha. Este último, apesar da ocupação, acabaria por se afirmar como independente, como o herdeiro do estado alemão anterior à guerra. Quanto à RDA, apesar dos esforços de propaganda, depressa se tornou claro que era uma emanação da União Soviética, gerida por uma elite política alemã dela subsidiária.
O Estado confundia-se com as organizações comunistas criadas. Estas procuraram, ao longo dos anos, fazer convergir a identidade dos alemães de leste, através do controle político e social, da educação, da repressão, da censura. Não resultaria verdadeiramente. A RDA, vista pela maioria dos seus próprios habitantes como um pais inventado, tombaria em dias, depois de um irreal estertor em que os seus dirigentes fingiam não ver a União Soviética caminhar ela própria para a dissolução.
São fantásticas algumas das imagens desse período final. A RDA, estado nascido de uma fé não religiosa, era plena de romarias, homilias, penitências colectivas e sermões laicos, organizados com eficiência germânica, que tentavam legitimar, com aglomerações de populares, o sistema. Estas demonstrações públicas não abrandaram com o aproximar do fim, antes pelo contrário.
Jens Rötzsch fotografou, a cores, alguns desses eventos no derradeiro ano da república. O cromatismo tecnicamente limitado das películas disponíveis no leste, que tanto desagrado causava a muitos fotógrafos, ajustou-se de forma particularmente feliz ao artificialismo das paradas e comícios. E Rötzsch, ao fotografar obliquamente, fugindo à imagética totalitária dos planos de conjunto e dos grandes planos de indivíduos entusiasmados e líderes sólidos, trouxe-nos um retrato único do fenómeno.
Mais do que as imagens do último primeiro de Maio comunista de Berlim, encantam-me as imagens do encontro de Primavera (de Pentecostes) da Freie Deutsche Jugend (FDJ), a organização de juventude do regime.
Imagens de bastidores, de participantes expectantes, das encenações vistas por trás. De uma estranheza invulgar, berrantes e tediosas. Imagens que traduzem bem as declarações dos que viveram o fim da RDA. Dizem muitos deles que se vivia um ambiente de descrença e impasse, uma sociedade movida pela inércia. Que se esperava que fossem figurantes, e não actores, dum país e dum destino que se afigurava falseado e absurdo.
Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
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Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
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Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
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Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
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Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
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Jens Rötzsch, Encontro de Primavera da FDJ, Berlim, 1989
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