segunda-feira, 27 de setembro de 2010

E agora... Algo completamente diferente

autor desconhecido(?),Passagem do Zeppelin, S.Vicente,1937
imagem obtida aqui

Eis outra imagem do Zeppelin sobre o Mindelo, S. Vicente, Cabo Verde. Esta sim, será anónima, não a encontro atribuída a ninguém. Do ponto de vista documental, é a mesma coisa que a fotografia de As Ilhas Misteriosas. Porém, ao contrário da anterior, informa-nos, situa-nos, sossega-nos. Não nos provoca. É a mesma coisa, mas como desafio visual é algo completamente diferente.

__________________________________________________________

domingo, 26 de setembro de 2010

As Ilhas Misteriosas

Tuta Melo, Passagem do Zeppelin sobre o Mindelo , 1937
imagem obtida aqui

Li, ou ouvi, algures que uma das características da Fotografia era a de possibilitar o aparecimento de obras-primas acidentais e anónimas. Creio não ser este um desses caso, embora tenha sido acidentalmente que dei com esta imagem na Internet, enquanto pesquisava algo que, à partida, nada indicava que me levasse a dirigíveis sobre mares tropicais.

Não é anónima a fotografia, indica-nos o fotógrafo Jorge Martins que a disponibilizou no seu site do FOTOLOG. O seu autor foi Guilherme Augusto de Lima Melo, conhecido por Tuta Melo. Não consegui saber muito acerca dele. Sei-o nascido a 10 de Janeiro de 1916,em São Lourenço dos Órgãos, Santiago, Cabo Verde. Terá falecido a 15 de Janeiro de 1999, em Lisboa. Sei-o igualmente filho do fotógrafo João Henriques de Melo, nascido na ilha do Fogo, Cabo-verde. Soube que terá sido funcionário dos Correios, e que terá abandonado essa carreira, tendo-se dedicado posteriormente à exibição cinematográfica, fundando o cinema Miramar, no Mindelo, S. Vicente, Cabo-Verde.

Quanto ao acidental, nada mais conheço das fotografias de Tuta Melo. A existirem encontrar-se-ão provavelmente em esfera privada. Não encontrei outras e desconheço textos sobre elas. Intuo a partir da imagem e da data, que não seria uma imagem única de um fotógrafo fortuito. A posse de uma máquina fotográfica, ou o acesso a ela, em Portugal e nas então colónias, estava longe de ser algo universal nos anos 30. A ascendência de Tuta Melo leva igualmente a crer que seria alguém que não desconheceria a técnica fotográfica e o trabalho de laboratório. O sentido de composição leva-me a querer pensar que a imagem não seja um acaso feliz de um inábil, apesar de objectivamente não poder dizer o contrário, dada a minha ignorância acerca do seu trabalho.


A imagem é forte. Destaca-se numa pesquisa de imagens de Google como se tivesse uma propulsão própria que a retirasse do fundo de imagens banais. Atinge-nos particularmente por ser desconhecida, ou conhecida apenas por poucos. Surpreende-nos.

Eu, que infelizmente nunca fui a S.Vicente, não a posso localizar com propriedade. Existe um elemento distinto e reconhecível, o Zeppelin, que paira acima do centro da fotografia, ainda no lado esquerdo mas com uma trajectória que se adivinha levá-lo para a direita. A orientação da nave, próxima da horizontal mas ligeiramente descaída, ajuda a acentuar a tensão da imagem numa linha diagonal que une o primeiro plano, no canto inferior direito (um troço da ilha, denso e escuro, pontuado pela casa branca), ao dirigível e, finalmente, ao canto superior esquerdo onde as nuvens mais escuras adensam o fundo. Em baixo, a linha do mar estrutura a imagem e o ilhéu-rochedo contrapontua à esquerda, num segundo plano, a terra que se vê no lado direito. Por fim, quase imperceptível, vaga e nebulosa, recorta-se sobre o céu uma linha montanhosa que define um terceiro plano.


Olhando para a imagem de um ponto de vista documental, ela regista a última ou, pelo menos, uma das últimas viagens regulares de um dos Zeppelins que uniam a Alemanha ao Brasil e à Argentina- o LZ 127 Graf Zeppelin e o LZ 129 Hindenburg. Depois de 8 de Maio de 1937,estas não se voltariam a realizar. A ser a última, tratar-se-á do Graf Zeppelin , dado que a aeronave irmã desapareceu em chamas em 6 de Maio desse ano, nos Estados Unidos, quando o Graf concluía a viagem de retorno da América do sul. As carreiras regulares referidas paravam na cidade da Praia, na ilha de Santiago, para largada de Correio, e segundo parece passariam também regularmente sobre S.Vicente. A imagem captura, segundo um dos comentário feitos no FOTOLOG de Jorge Martins, o momento de uma das passagens pelo canal que divide S. Antão (a costa brumosa distante ) e S. Vicente (primeiro plano).

Feito o registo factual, devo dizer que essa é a faceta da imagem que menos me interessa. A atenção que a imagem me motiva não advém daí. Prende-me o carácter vago e algo atemporal. Embora saiba a localização e o tempo, continuo a não experienciá-la de forma tão específica . O Zeppelin revela-se o único significante, e a fotografia, por estarem ausentes dela mais referências legíveis, torna-se uma obra aberta, ambígua. Leremos nela aquilo que o nosso quadro de experiências nos permitir e nos encaminhar. É uma imagem fantástica no sentido literal da palavra.
Para alguns será um dirigível apenas, um balão esquisito sobre o mar. Outros sentir-se-ão tentados a revisitar memória do Indiana Jones e A Última Cruzada. A mim, o tom sépia faz colocar a cena num passado não definido, e a imagem das ilhas traz-me não os trópicos, mas as ilhas das histórias de Júlio Verne, que li e reli em miúdo- A ilha misteriosa e a ilha dos Dois anos de Férias. Vejo nela o inverosímil retrato fotográfico de um passado futuro, com máquinas de tecnologia dura, mecânica, sem electrónica nem noção de quântica. Traz-me o mesmo universo que os belgas Schuitten e Peeters configuraram na série As Cidades Obscuras.


Seja o que for que vejamos na imagem, é a ela que retornamos. Espantosa fotografia que merece ser reconhecida, vista, divulgada. E nesta afirmação não há nada de anónimo e acidental.

__________________________________________________________

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

ONTOS - A Pupa

Hugh Main, Pupa Matura, cerca de 1915
imagem obtida aqui

Trata-se de uma fotografia premiada em 1915, na categoria de fotografia técnica e científica. aquando da sexagésima exposição da Royal Photographic Society of Great Britain. O autor, um cientista, era membro e dirigente da Royal Entomological Society.

__________________________________________________________


terça-feira, 21 de setembro de 2010

SPECIMEN - Ramo Seco

Depois de um incêndio em zona de mato a norte da Fonte salgada, em Tavira, recolhi um ramo seco, atingido pelo calor mas não ardido.
A fotografia dele parece-me trazer embutida a memória do fogo, assemelhando-se a fotografias médicas, a imagens duma Unidade de Queimados.


Júlio Assis Ribeiro,
SP_V_RMSC_01
Ramo Seco, 2007

__________________________________________________________

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ONTOS - Ontologia Antológica

Para que serve um ácaro aquático? Não faço ideia, embora creia que, se calhar, não tem que existir para nos satisfazer uma razão. Mas sei que a imagem de um deles serve-me para saber que existem, que já existiam em 1905, e que eram ocres. Chega-me e agrada-me.

Henry Taverner, Fotografia microscópica de ácaro aquático, cerca de 1905
imagem encontrada aqui

__________________________________________________________

Ligações

Eis duas ligações para sítios onde se escreveu sobre Solomon Nunes Carvalho, com mais propriedade do que foi feito nesta coisa e igualmente em português. Aqui está a primeira, e aqui a segunda.

__________________________________________________________

domingo, 19 de setembro de 2010

SPECIMEN - Mosca (de Feira)

Por motivos que desconheço, as moscas comuns, já de si seres pouco agradáveis, com o fim do Verão e a chegada do Outono tendem a tornar-se mais chatas e peganhentas. Parecem multiplicar-se subitamente e tornam as estadias no exterior um desafio à nossa paciência. Uma Praga!...
No Algarve, por esta ser a época das feiras municipais principais, já lhes ouvi chamar moscas de feira.


Júlio Assis Ribeiro,
SP_A_MSC_01
Mosca comum (Musca domestica), 2004

__________________________________________________________

sábado, 18 de setembro de 2010

Olhó Cárváiou

É sempre delicioso aprender como se diz Carvalho correctamente nos Estados-Estados. Num video, percebi que a forma incorrecta é Carvalou. A forma correcta é a que está descrita na imagem abaixo, um excerto do livro Photo odyssey: Solomon Carvalho's remarkable Western adventure, 1853-54 de Arlene B. Hirschfelder.


__________________________________________________________

Galeria Nacional

Embora talvez seja difícil definir estritamente Solomon Nunes Carvalho como português (não é à toa que uma das publicações que o abordam tem por título Carvalho, “artist-photographer-adventurer-patriot: portrait of a forgotten American”, escrita por Joan Sturhahn e publicada em 1976), mercê do nosso muito talento para coçar as feridas, verdadeiras ou imaginárias, o facto é que ele entrou para a galeria nacional de figuras que podiam ser, para o mundo, muito mais do que efectivamente são.
Junto a pintores que podiam ter sido dos maiores, não fora terem morrido antes do tempo- Amadeo e Santa-Rita Pintor; do descobridor que chegou ao continente americano vinte anos antes de Colombo e que, por uma estranha conspiração mundial, ninguém fala -João Vaz Corte Real; Carvalho é o homem que fotografou o Oeste americano antes de todos, e que ofuscaria hoje figuras como Mathew Brady e Edward Curtis, não fosse o simples pormenor da quase totalidade das suas imagens se ter perdido no incêndio de um armazém de Staten Island, Nova iorque. Ainda por cima, tal aconteceu muito antes de a Fotografia ter o reconhecimento institucional e popular de que hoje goza.
Compreendo este estranho gosto de invocarmos para Portugal os méritos de todos os descendentes de portugueses, mesmo aqueles que pessoalmente não se vejam como membros da nossa vasta e gloriosa comunidade ( as referências ao realizador Sam Mendes, na comunicação social portuguesa, são muitas vezes um patético exemplo desta tendência) e enquadro-o numa patologia nacional, um misto de Complexo de Inferioridade com Mania das Grandezas. Mas, do alto da minha ignorância e do facto de contar apenas com o que consigo aceder via internet, penso que no caso de Solomon Nunes Carvalho eventualmente serão aceitáveis algumas nuances em relação a este quadro.
Se é verdade que era um cidadão americano por direito e nascença, e que se definia como consciencioso, orgulhoso e zeloso dos seus deveres, o princípio jurídico de Jus sanguinis confere-lhe, dada a nacionalidade portuguesa dos ascendentes próximos, o carácter de português. Do ponto de vista cultural, sendo claro que era um membro da classe educada americana, e que se expressava publicamente em inglês, era igualmente um membro activo da comunidade judaica sefardita, predominantemente portuguesa. Uma comunidade que fazia da sua origem portuguesa um carácter distintivo e demarcador relativamente à comunidade judia com origem no Centro e Leste da Europa, maioritária e, por norma, menos qualificada. Do que consigo ter acesso, não tenho nenhuma confirmação de que falasse ou escrevesse português, embora desconfie plenamente que tal acontecesse. Tendo pais portugueses e estando inserido numa comunidade que ainda conservava alguns laços com a sua origem, o facto declarado pelo próprio de que compreendia e que conseguia comunicar em língua espanhola (que era usada como uma língua franca entre índios, comerciantes e exploradores nos Estados recém conquistados do Oeste e do Sul) é um indicador claro dessa possibilidade.
Dito isto, devo dizer que da leitura de ” Incidents of Travel and Adventure in the Far West” o que ressalta é o ponto de vista de alguém que se considera um americano empenhado. A origem portuguesa teria provavelmente importância na sua estrutura identitária, mas creio não estarmos perante alguém que se descreveria, antes de tudo, como um português.
Sabemos por prova documental e testemunhal, que Solomon Nunes Carvalho terá realizado cerca de 300 daguerreótipos durante a viagem de exploração, até ser abandonado por Frémont no Utah. Sabe-se que tinha consciência plena de que a realização de fotografias na viagem levantaria questões técnicas e logísticas complicadas, que ninguém antes enfrentara, e que foi capaz de resolver. Sabe-se que já antes se evidenciara e destacara, ao criar um processo de esmaltagem que tornava desnecessário cobrir o daguerreótipo com um vidro de protecção. Sabemos que era já antes um conceituado fotógrafo comercial, actividade que conjugava com a de pintor, e que deve ter produzido uma obra considerável em termos de retrato. Sabemo-lo um personagem plena de recursos intelectuais e técnicos, embora autodidacta. Foi ele um inventor de um sistema de funcionamento com alta pressão em motores a vapor, que a Marinha norte-americana usou até adopção dos motores de combustão interna.
Sabemos tudo isso, mas o que hoje distinguiria irrefutavelmente Carvalho seriam essas imagens dum Oeste desaparecido, que sabemos que fez , algumas descritas por ele em ” Incidents of Travel and Adventure in the Far West”, outras reproduzidas em gravuras feitas para o projectado relatório da 5ª expedição de Frémont, e utilizadas no livro Memoirs of My Life and Times, assinado pelo explorador( mas que se crê escrito pela sua mulher- Jessie Benton Fremont). E, como já aqui disse, tal não é possível devido a um incêndio no ano de 1881.
Ao deixar para trás solomon Nunes carvalho, Frémont levou consigo as fotografias já realizadas (Carvalho, no seu livro, indica apenas que o seu equipamento fotográfico tenha sido abandonado , enterrado na neve e coberto com moitas, antes da chegada a Parowan, como forma de aligeirar a carga da expedição numa altura em que temiam pela sua sorte pessoal). Isto não parece ter originado qualquer tipo de rancor em Carvalho. Numa altura em que os direitos de autor não eram, per se, propriamente um dado adquirido, a posse e controlo do seu trabalho não era algo em que um fotógrafo daguerreotípista, em particular, pensasse. Como o processo fotográfico produzia unicamente uma prova positiva, este tipo de profissional dava por adquirido que o cliente levava consigo o resultado do seu labor.
O percurso de Frémont levaria os daguerreótipos primeiro até à California e, mais tarde, aquando do seu regresso ao Leste, até Nova Iorque. Aí foram entregues a Mathew Brady, para que este fotógrafo realizasse cópias, através do processo de placas revestidas com colódio húmido, e terá sido nas suas instalações que terão sido reproduzidos por desenhadores que criariam as gravuras mais tarde usadas nas Memórias do explorador.
Em 1881, o já referido incêndio faria desaparecer aquilo que hoje seria o núcleo mais significativo do legado de Solomon Carvalho enquanto fotógrafo. Aparentente das três centenas de fotografias realizadas chegou-nos apenas um daguerreótipo, danificado, identificado por alguns como uma cópia de Brady ( identificação pouco credível dado o uso de placas húmidas de colódio que este terá feito), por outros como um original resgatado do destroços do armazém. A imagem sobrevivente encontra-se na posse da Biblioteca do Congresso dos estados-Unidos.

Solomon Nunes Carvalho, Vista de uma aldeia Cheyenne em Big Timber ( Colorado), 1853
imagem obtida aqui

Nela observa-se parte de uma aldeia índia Cheyenne, provavelmente a de Big Timber. Poderá ser um dos daguerreótipos que Carvalho descreve ter realizado no décimo capítulo de seu livro, e a assim ser, resulta algo irónico que a imagem sobrevivente não seja uma de particular investimento, mas uma realização com fins mais instrumentais. Descreve solomon Nunes Carvalho que perante enormes dificuldades em convencer os Cheyenne em manterem-se imóveis, ou tão simplesmente em deixarem-se fotografar, optou por fotografar primeiro algumas tendas. Ao mostrar este daguerreótipo conseguiu então a atenção e abertura pretendidas, conseguindo fotografar uma idosa acompanhada de uma criança, e depois as figuras mais notáveis que se prontificaram para o registo, nomeadamente o chefe da aldeia e a sua filha, que Carvalho apresenta como princesa.

Temos assim que, além de apenas sobreviver apenas uma imagem, não é uma das foram realizadas com maior investimento e interesse. Não é de uma fotografia de espantosas paisagens ou fenómenos que Carvalho realizou, nem um dos retratos das figuras de um território em mutação acelerada. Sobreviveu provavelmente uma imagem feita com o fim de facilitar outras, numa disposição em figuram tendas, peles a secar e duas figuras que observam à distância, com curiosidade e desconfiança eventualmente em doses iguais. Para desgraça da Fotografia e, no ver de alguns, para desfeita nacional.

__________________________________________________________

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

SPECIMEN - Rícino

Não sei precisar a data, mas creio que terá sido aí por volta de 1989 que vi na televisão um filme que me deliciou absolutamente- "Amarcord" de Fellini. É um filme pleno de cenas antológicas,mas interessa-me aqui recordar uma em particular, em que uma das personagens é questionada por agentes da polícia política de Mussolini. Em causa estava a desconfiança que revelara ter em relação ao líder fascista. Para o "libertar" de tais pruridos, os esbirros fazem-no engolir alguns frascos de óleo de rícino. Retrato grotesco de uma ditadura e de uma sociedade povoada de características patéticas, esta cena faz combinar o cómico de uma espécie de tortura ligeira, se é que posso classificar assim, com o efeito de profunda humilhação e de diminuição humana da personagem em causa, um chefe de família impotente perante tais sevícias.
A palavra rícino entrou aí para o meu imaginário, embora sem que a pudesse verdadeiramente visualizar como algo concreto. O óleo de ricino era para mim um instrumento de Fellini para uma cena fabulosa de um filme fabuloso, e em menor grau, era também algo que a minha mãe fora obrigada a engolir em criança para agilizar os intestinos e que, entretanto e por bons motivos, deixara de ser usado como laxante (de forma corrente, pelo menos).
Na sequência do meu trabalho com a série SPECIMEN acabei por descobrir que o rícino me era perfeitamente familiar. Trata-se do fruto dum arbusto comum. A Figueira-do-Inferno cresce espontaneamente no Algarve, sendo vulgar ,por exemplo, nas bordas das estradas. O nome deriva da folha que é semelhante à da figueira. O seu fruto tem um aspecto algo esférico, e é caracterizado por protuberâncias semelhantes a espinhos. Varia a sua cor de um laranja claro acastanhado a um espantoso vermelho vivo.


Júlio Assis Ribeiro,
SP_V_RCN-01
Rícino, Fruto da Figueira-do-Inferno(Ricinus communis),2010

__________________________________________________________

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

SPECIMEN

Desculpem-me por insistir, mas publico agora o pequeno texto que redigi para apresentação da exposição SPECIMEN, e que constará numa brochura:

"Gosto há muito de fotografia, e exerço-a a espaços, como um desafio pessoal. E desde uma idade muito precoce, tenho também alguma fixação relativamente ao processo científico, aos seus desenvolvimentos, às suas figuras e à sua história.
Dois interesses concomitantes, conexos. A fotografia nasce, enquanto prática viável, de duas pulsões - uma artística, capturar a imagem; outra científica, fazê-lo com a ajuda da Física e da Química. Os seus dois pais reconhecidos, Daguerre e Fox Talbot, geraram-na por processos diferentes, em tempo quase síncrono. O francês era um antigo pintor que se dedicou à Química, e o inglês era um homem de ciência que se recusou a aceitar a sua incapacidade de registar, num desenho aceitável, aquilo que via.
No início, a Fotografia era distante, complexa, difícil. Antes de se industrializar, exigia recursos, técnica e talento inacessíveis a quase todos. Poucos podiam manipular materiais perigosos, vapor de mercúrio ou algodão-pólvora, e carregar câmaras pesadas de madeira e caixas com chapas de cobre ou vidro. Poucos tinham tempo e dinheiro para tal.
Não estranhamente, muitos dos seus primeiros cultores eram cientistas. Dominavam já parte das ferramentas do ofício que a fotografia exigia. E a par das imagens dos géneros consagrados da pintura, paisagem e retrato, que os pioneiros emulavam na sua prática fotográfica, nascem outras, derivadas dos seus interesses naturais. Fabulosas fotografias dos objectos dos estudos científicos – amostras provenientes do trabalho de campo, rochas, cristais, fósseis, ossadas; objectos de estudo catalogados, etiquetados e expostos em Museus; fragmentos e peças arqueológicas.
Este trabalho, não artístico nas suas intenções, surpreende-nos. A fotografia, processo mecânico e químico, transmite-nos um olhar pessoal, uma perspectiva única. Há na fotografia como que uma intensificação da experiência sensorial. O quotidiano e o banal, são-nos atirados à cara com uma consistência e uma singularidade reveladoras. As amostras são frequentemente escolhidas para representar universalmente algo, uma espiga representa todas as espigas. Mas a fotografia, ao contrário do desenho, tende a acentuar a sua individualidade, aquela espiga é aquela espiga.
Comecei, em 2002, a registar digitalmente objectos orgânicos vulgares, fruto de uma recolha aleatória, casual, ocasional. Nada de exótico, objectos com que nos cruzamos sem que estes se destaquem, sem que se apartem do ruído visual. Pretendi de alguma forma, simular o olhar científico, que questiona o que é tido por certo. Criar fictícias imagens dum catálogo de Museu de Ciências Naturais, de especímenes apresentados no interior de caixas forradas com veludo negro. Imagens simultaneamente nítidas e com pouca profundidade de campo, metáfora da proximidade e do entendimento íntimo destes objectos que julgamos conhecer, mas para os quais não olhamos verdadeiramente. Imagens digitais acabadas sem manipulações, além das que são possíveis com a fotografia analógica, alguns ajustes em termos tonais e repicagem."

Júlio Assis Ribeiro
SP_V_SRLH_01,
 Serralha (Sonchus oleraceus),2004

__________________________________________________________

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Falta de Vergonha

Existem aqueles que desenvolvem trabalho de qualidade excepcional e que, por pudor, jamais o revelam ao olhar público. E existem aqueles que, por falta de vergonha ou por simples inconsciência,  se põem em bicos de pés e insistem em expôr a sua pouca competência técnica, o seu desconhecimento e a sua inépcia estética.
Cabe-me dizer, com orgulho e vaidade, que passarei fazer parte deste último grupo.

Com a muito simpática colaboração da Casa Azul, em Cacela Velha, e o apoio da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, será inaugurada dia 8 de Setembro deste ano, a exposição SPECIMEN, onde estarão patentes fotografias de uma série que tenho insistido em fazer desde 2002.
Esta provação durará até ao dia 1 de Novembro de 2010.

__________________________________________________________