"Gosto há muito de fotografia, e exerço-a a espaços, como um desafio pessoal. E desde uma idade muito precoce, tenho também alguma fixação relativamente ao processo científico, aos seus desenvolvimentos, às suas figuras e à sua história.
Dois interesses concomitantes, conexos. A fotografia nasce, enquanto prática viável, de duas pulsões - uma artística, capturar a imagem; outra científica, fazê-lo com a ajuda da Física e da Química. Os seus dois pais reconhecidos, Daguerre e Fox Talbot, geraram-na por processos diferentes, em tempo quase síncrono. O francês era um antigo pintor que se dedicou à Química, e o inglês era um homem de ciência que se recusou a aceitar a sua incapacidade de registar, num desenho aceitável, aquilo que via.
No início, a Fotografia era distante, complexa, difícil. Antes de se industrializar, exigia recursos, técnica e talento inacessíveis a quase todos. Poucos podiam manipular materiais perigosos, vapor de mercúrio ou algodão-pólvora, e carregar câmaras pesadas de madeira e caixas com chapas de cobre ou vidro. Poucos tinham tempo e dinheiro para tal.
Não estranhamente, muitos dos seus primeiros cultores eram cientistas. Dominavam já parte das ferramentas do ofício que a fotografia exigia. E a par das imagens dos géneros consagrados da pintura, paisagem e retrato, que os pioneiros emulavam na sua prática fotográfica, nascem outras, derivadas dos seus interesses naturais. Fabulosas fotografias dos objectos dos estudos científicos – amostras provenientes do trabalho de campo, rochas, cristais, fósseis, ossadas; objectos de estudo catalogados, etiquetados e expostos em Museus; fragmentos e peças arqueológicas.
Este trabalho, não artístico nas suas intenções, surpreende-nos. A fotografia, processo mecânico e químico, transmite-nos um olhar pessoal, uma perspectiva única. Há na fotografia como que uma intensificação da experiência sensorial. O quotidiano e o banal, são-nos atirados à cara com uma consistência e uma singularidade reveladoras. As amostras são frequentemente escolhidas para representar universalmente algo, uma espiga representa todas as espigas. Mas a fotografia, ao contrário do desenho, tende a acentuar a sua individualidade, aquela espiga é aquela espiga.
Comecei, em 2002, a registar digitalmente objectos orgânicos vulgares, fruto de uma recolha aleatória, casual, ocasional. Nada de exótico, objectos com que nos cruzamos sem que estes se destaquem, sem que se apartem do ruído visual. Pretendi de alguma forma, simular o olhar científico, que questiona o que é tido por certo. Criar fictícias imagens dum catálogo de Museu de Ciências Naturais, de especímenes apresentados no interior de caixas forradas com veludo negro. Imagens simultaneamente nítidas e com pouca profundidade de campo, metáfora da proximidade e do entendimento íntimo destes objectos que julgamos conhecer, mas para os quais não olhamos verdadeiramente. Imagens digitais acabadas sem manipulações, além das que são possíveis com a fotografia analógica, alguns ajustes em termos tonais e repicagem."
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