segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O ano da ruptura

Em 1912, a elite do regime republicano confronta-se com uma realidade inesperada.
A par da antecipada resistência monárquica, com esporádicas incursões militares, fenómeno sobretudo rural e distante, a liderança republicana depara-se com uma insanável tensão com os movimentos sindicais. Esta vinha crescendo desde a revolução de Outubro, em que haviam sido sobretudo os civis, ligados à Carbonária e aos movimentos operários, a garantir o sucesso, dada a debandada inicial da liderança militar e política com os primeiros percalços.

A grande maioria dos dirigentes republicanos, eminentemente burgueses,  não tinham intenção de  realizar uma revolução de carácter social, almejavam apenas uma mudança nos órgãos e no regime político. Confrontados com sucessivos surtos grevistas, iniciados logo em Novembro de 1910,  o governo, e  o patronato, lidam a contragosto com a contestação. Em 1911 dão-se os primeiros conflitos com mortos, na greve dos trabalhadores da indústria conserveira em Setúbal. Em Janeiro de 1912, a contestação dos trabalhadores rurais da região de Évora, começada cerca de meio ano antes, com o apoio de algum republicanismo carbonário, culmina com a intervenção da Guarda republicana, o mesmo recente corpo militarizado que actuara em Setúbal. O resultado seria a expulsão dos trabalhadores do centro da cidade, com um morto e vários feridos.

Em 28 de Janeiro de 1912, quatro dias depois dos eventos de Évora, é proclamada em Lisboa  uma greve geral em solidariedade com os trabalhadores rurais. A dimensão do protesto, que durante algum tempo parece controlar a capital,  leva o governo a intervir com forças militares e policiais que cercam os grupos operários na zona do Bairro Alto. A ameaça das armas, incluindo artilharia, força a rendição dos sindicalistas e a prisão de cerca de setecentos homens em navios da Marinha de Guerra. 

Joshua Benoliel,
Tropas no Rossio durante o Estado de Sítio decretado
por ocasião da Greve Geral, Lisboa,
Portugal, Janeiro de 1912
imagem obtida aqui
Os confrontos entre civis e as forças do governo na Greve de 1912 marcam uma ruptura definitiva entre os vários movimentos de operariado e do republicanismo carbonário com as linhas dominantes da tendência republicana. E o início duma erosão progressiva do regime, com contestações quase diárias que se somam aos golpes e contragolpes operados pelas várias correntes do estabelecimento republicano. 

A primeira república cairia quase uma década e meia depois, sob a pressão duma união conservadora entre republicanos desiludidos, antigos monárquicos e uma ala de adeptos dum novo totalitarismo que se erguia noutras paragens europeias.

Joshua Benoliel,
Incidentes entre populares a Guarda Republicana,
Lisboa, Portugal, 27 de Maio de 1942
imagem obtida aqui


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