Ao observar esta imagem, lembrei-me de um personagem de Woody Allen que, num dos seus filmes, afirmava não se espantar pelo facto do holocausto nazi ter acontecido. Dizia que a verdadeira causa de espanto é estas manifestações extremas da maldade não acontecerem com uma maior frequência, sabendo-se que a Humanidade é como é.
Hugo Jaeger, austríacos a saudar Hitler, 1938
imagem obtida aqui
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A fotografia é esteticamente irrelevante, e tecnicamente (descontando-se o pioneirismo no uso corrente da cor) está longe de garantir muito interesse. Mas é precisamente a sua banalidade que me atinge, me espanta.
Ao contrário do Estado Novo português que, apesar dos esforços de António Ferro, sempre teve uma relação elíptica com a imagem, o devaneio psicopático nazi usou de forma sistemática e estruturada a imagem fotográfica. Um dos seus pilares de sustentação era precisamente o da propaganda, e esta soube criar um suporte imagético que fortaleceu simbolicamente o irracional imaginário do III Reich. Fê-lo aproveitando as capacidades de fantásticos criadores de imagens, como Leni Riefenstahl, que forneceram visões de glória, ordem e septicidade.
Mas Hugo Jaeger, o autor da imagem, não pertence ao mesmo panteão. Sendo um dos fotógrafos pessoais de Adolf Hitler, e o autor de algumas das mais reveladoras fotografias da intimidade do ditador, a verdade é que Jaeger era um fotógrafo medíocre. A excepcionalidade das suas imagens advém das circunstâncias excepcionais em que foram tomadas, e não da sua particular habilidade para as captar. A multidão que capta na imagem não é a mesma multidão que se vê nos filmes de Riefenstahl - uma multidão estilizada, ordenada, prenunciadora dum futuro grandioso e superior. A multidão de Jaeger é feita de gente banal, recente e genuinamente sugada para a insanidade ideológica nacional-socialista. Gente comum que atabalhoadamente saúda fervorosamente o seu novo líder. E é esta verdade, esta ausência de artificialismo que nos impacta. Será este batalhão de pais de família, adolescentes imberbes, vulgares empregados, domésticas e reformados que denunciará judeus e fornecerá o braço que executará algumas das mais brutais atrocidades da segunda guerra mundial.
A inexistência de singularidade é o que verdadeiramente perturba, vermos que não é necessária uma sociedade de assassinos e monstros para se pôr em marcha uma execução metódica do Mal.
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