Neal Slavin, um jovem americano, sensivelmente por este mesmo período ganhou uma bolsa de estudo e chegou a Portugal para desenvolver trabalho de campo em arqueologia. Porém, em vez de se concentrar na busca proveitosa de cacos do período romano, acabou por gastar muito do seu tempo aproximando-se e fotografando os portugueses vivos do final do Estado Novo. Detectava neles uma estranha qualidade comum, uma tristeza colectiva, e para a interpretar socorreu-se da mitologia auto-explicativa dos portugueses- ligava essa natureza melancólica à Saudade, sentimento indefinido de perda e nostalgia.
No entanto, se adoptou esta caracterização que não se afastava muito da imagem turística que Portugal vendia então, as suas fotografias não se ficavam pela epiderme e revelavam um olhar que registava uma complexidade que ia muito além das imagens "para inglês ver". Fotografou, é certo, assuntos que eram comuns a uma imagem padrão do Portugal dessa época.Também ele fotografou velhas vestidas de negro, paredes caiadas de branco e os pobres do sul europeu . Mas as suas velhas não eram as dos postais e os seus pobres do sul não eram os pobres pitorescos e alegres da imagética Salazarista. Há nas suas fotografias um interesse e uma proximidade que o afasta desse ponto de vista abstractizante e torna as figuras que retrata mais concretas. Com a intuição dos estranhos, evitou certos erros de perspectiva. O "Portugal" que faz publicar em livro da Lustrum Press em 1971, é simultaneamente complexo e objectivo. Regista o interior, o rústico e o lastro do passado, mas não foge do urbano e da modernidade possível. Não sabendo diagnosticar plenamente a doença que via, captou com atenção cirúrgica os seus diferentes sintomas.
Neal Slavin, Portugal, 1968
imagem obtida aqui
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Agrada-me bastante a imagem acima. Há nela um duplo fechamento. Duas figuras isolam-se dum exterior vibrante e cheio de detalhes que não vemos mas que, qual caverna de Platão, podemos intuir pelo seu reflexo. Os dois homens resguardam-se desse exterior em primeira instância através de um vidro. Mas essa barreira é secundária. O isolamento principal é fornecido pela sua concentração no jornal desportivo, que os separa não só da rua, como um do outro.
É corrente afirmar-se que na ditadura do Estado novo, mercê da Censura e do constrangimento político, os assuntos públicos de interesse estavam reduzidos aos três éfes: Fátima, Fado e Futebol. O Futebol garantia a única possibilidade de discórdia pública num país em que o consenso era forçoso, em que qualquer discussão, qualquer dissensão, era afastada do conhecimento geral.
Mas o futebol fornecia igualmente, a espaços e entre desaires, a possibilidade quase única de aceder a um particular aspecto da mitologia identitária portuguesa: a ideia de ser um país pequeno e pobre que enfrenta gigantes e que, apesar da adversidade, os vence.
Distorcendo a ideia de Rómulo de Carvalho, encerrados num estranho casulo mental, para muitos portugueses os sonhos giravam à volta do futebol e, então como agora, para eles o mundo era "A BOLA". Ou o "Record". Ou "O JOGO".
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