sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Augusta fantasmagoria

Por entre as imagens de uma Lisboa nocturna, em tempos de Estado Novo, feitas por Horácio Novais, e agora disponibilizadas no flickr pela Fundação Calouste Gulbenkian, chamam-me a atenção algumas da rua Augusta. Ao contrário de outras desta sequência, marcadas sobretudo pela evidenciação da iluminação, que nos mostram uma lisboa deserta e glamorosa, de automóveis e arquitectura, cenário de filme negro, nestas o fotógrafo concentra-se na captura da massa humana que percorre as calçadas.
A exposição longa (mas não demasiado longa) que a penumbra nocturna impõe transforma a multidão transeunte numa massa espectral a que as luzes natalícias acrescentam um toque de estranheza.


Horácio Novais, Rua Augusta, Lisboa,sem data
imagem obtida aqui

Gosto bastante da imagem acima, que considero particularmente feliz na relação entre o tempo de exposição e velocidade da multidão. Gosto igualmente por ser um exemplo interessante de como, por vezes, os elementos presentes na imagem põe em evidência os ausentes. Aqui, é claro que o fotógrafo cria um acontecimento pela sua simples presença. Posicionado no meio da corrente pedonal, em posição elevada, possivelmente como um obstáculo, chama a atenção. Força a paragem de alguns dos passantes que se retêm, por momentos, para ver quem os fotografa. Passa-se isto em Lisboa, em Portugal, um lugar e um tempo que não se gostava de ser fotografado, conforme dizia Gerard Castello Lopes numa entrevista.
As figuras que se retiveram, ou que vieram às  varandas observar, e que olham para o fotografo põem igualmente em destaque a natureza voyeuristíca da Fotografia. Em termos da imagem vemo-los como olhando para nós, que olhamos para eles. O olhar é exposto como uma intrusão, uma abordagem nem sempre solicitada, ou tolerada, ao outro.

Horácio Novais, Rua Augusta, pormenor, Lisboa,sem data
imagem obtida aqui


Horácio Novais, Rua Augusta, pormenor, Lisboa,sem data
imagem obtida aqui

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