Cornelius Jabez Hughes, Capitão Tristram Speedy e o príncipe Alamayou ,1868
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Julia Margaret Cameron,Capitão Tristram Speedy e o príncipe Alamayou, prova de albumina, 1868
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Interessa-me igualmente a fotografia que Cameron Intitula “Speare or spare”, que se pode traduzir (toscamente) como “A lança ou a Misericórdia”. Como numa encenação de opereta, Tristram Speedy vertical retém sob a ameaça de uma lança um homem tombado, negro. O homem parece ser o mesmo que aparece noutra fotografia de Cameron, acompanhado do capitão Speedy e do príncipe Alamayou, e que é, umas vezes, descrito como um dignatário etíope não identificado, e outras, como um africano anónimo.
Julia Margaret Cameron,"Speare or Spare", prova de albumina, 1868
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Na imagem, Cameron tem a oportunidade de criar uma cena contemporânea análoga às dos dramas e mitos que compunha com a colaboração de família e amigos. Desta feita, em vez de graves momentos de peças de sakespeare e da gesta arturiana, reconstitui à sua maneira os eventos da campanha da Abissínia, meses antes. Fá-lo com o mesmo sentido com que trabalha personagens imaginários, sem interesse na literalidade. Speedy é mais que mais que um simples homem de armas, parece corporizar uma visão interna, serena e heróica do Colonialismo e Imperialismo do século dezanove. Apesar da crueza dos factos- um expedição militar britânica, de milhares de homens, com a melhor tecnologia militar da época, ataca o único verdadeiro estado independente de África, aniquila o exército mal armado que defende a capital, força ao suícidio o imperador e rapta o herdeiro de sete anos – o que Cameron nos mostra é um Europeu, fascinado pelo exótico, e que tendo um clara vantagem se mostra superior poupando aquele que domina. No fundo, domina para bem dos dominados, porque se interessa por eles.
Esta é uma leitura óbvia do sub-texto que sustenta a imagem. Mas pode-se igualmente fazer uma outra leitura, mais pessoal, centrado no próprio Tristram Speedy. O homem dominado que, como vimos, por vezes é descrito como um dignatário abissínio, pode representar Alaqa Zaneb.
Após a tomada de Magdala, à época a capital da etiópia, e o suícidio de Tewodros, os britânicos capturam o príncipe herdeiro e a sua mãe, a rainha Teru Warq. O seu destino é claro, ambos seguirão para a Grã-Bretanha, junto com o saque. Ao príncipe está destinada uma educação britânica. A rainha, no entanto, insiste em que este continue igualmente os seus estudos em amárico e em cultura etíope. Com a concordância de Sir Robert Napier, comandante britânico da expedição, é apontado Alaqa Zaneb , um erudito etíope, cronista e arquivista-mor do reino, para o cargo de perceptor do jovem princípe. Ora esta nomeação pôs claramente em causa o reconhecimento de Speedy que, pelo domínio da língua da corte etíope, se apresentava como natural candidato ao cargo de tutor de Alamayou.
A morte, por doença, da rainha perto de Antalo, ainda em território etíope, acabará por ser providencial para o capitão. O professor etíope ainda embarcará com os elementos da expedição britânica no Mar Vermelho, mas não passará do Suez, sendo afastado definitivamente do príncipe. Parecia não interessar a ninguém, e a Speedy em particular, a manutenção de laços forte com a terra natal.
A versão de Tristam Speedy relativamente ao afastamente de Alaqa Zaneb, consta de uma crónica conservada pela sua família, e roça o anedótico. Num dia particularmente quente, em que praticamente todos, excepto Speedy, se encontravam no convés tentando aproveitar alguma brisa marinha, um alvoroço enorme leva-o a subir e depara-se com Alamayou, em pânico, aos gritos. Vendo-o, a criança agarra-se ao seu pescoço e, ao colo, explica que Alaqa Zaneb lhe lançou um mau-olhado, recusando-se a falar com o etíope, que é assim dispensado.
O diplomata Hormuzd Rassam, emissário pessoal da rainha Victoria, que seguia na mesma embarcação não confirma de todo esta descrição. Limita-se a declarar que, por motivos vagos, Alaqa Zaneb terá sido dispensado em Suez, não seguindo para Inglaterra. Em linguagem diplomática ser vago é uma forma de não dizer motivos graves. O facto é que, afastado o perceptor etíope, não foi feita qualquer tentativa de angariar um substituto, e não faltavam, em Jerusalém nomeadamente, eruditos etíopes que pudessem, caso houvesse interesse, garantir uma educação não exclusivamente britânica.
A ascendência que Tristam speedy tem na fotografia de Julia Margaret Cameron sobre o tal alegado dignatário, pode ser assim lida quer como uma metáfora do “iluminado” domínio europeu sobre o Mundo, quer como uma representação da sua vitória pessoal sobre Alaqa Zaneb, o elo do jovem princípe com a Etiópia e um perigo para a sua pretensão à tutoria de Alamayou, fonte de notoriedade e reconhecimento.
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