Texto inicialmente publicado em A LENTE LENTA do OBVIOUS LOUNGE.
CA Mathew, Frying Pan Alley em direcção a Sandys Row,
Londres, 20 de Abril de 1912
imagem obtida aqui
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A presença do fotógrafo deu nas vistas, e bandos de crianças vestidas com as suas roupas domingueiras (o sábado é o dia de descanso judaico) passaram a amontar-se numa primeira linha defronte da câmara de CA Mathew, enquanto os adultos curiosos se retinham e observavam a uma maior distância.
A Fotografia aproximava-se do seu centenário, mas não era uma ainda uma realidade quotidiana e banal na vida dos cidadãos do início da era Edwardiana.
As imagens que fez em Spitalfields mostram-nos uma faceta particularmente viva e movimentada daquela secção de Londres que estava longe de ter uma boa fama.
Situado no East End, habitado por uma comunidade fechada, dedicada a pequenos negócios, sobretudo alfaiatarias, o bairro ficava bem próximo de algumas das mais mal-afamadas ruas londrinas, como Dorset Street onde, mais de vinte anos antes, uma jovem chamada Mary Kell aparecera morta e horrivelmente mutilada, naquele que seria o primeiro crime conhecido de Jack, o estripador. Mas as imagens de CA Mathew, desmentem o imaginário de pobreza e sordidez que os britânicos insistem em atribuir ao East End dessa época.
Não se vislumbram roupas esfarrapadas, criaturas dickensianas grotescas ou vilões de Sherlock Holmes. Vê-se uma vibrante zona comercial com o seu tráfego de carretas e carroças, com ruas pejadas de crianças em dia de descanso, mães que acompanham filhos de tenra idade e homens que seguem nos seus afazeres. Mostram-nos um bairro movimentado que foi surpreendido por um fotógrafo que ostensivamente o decidiu fotografar. Um bairro que decidiu ostensivamente mostrar-se surpreendido ao fotógrafo.
CA Mathew, Bell Lane em direcção a Crispin Street,
Londres, 20 de Abril de 1912
imagem obtida aqui
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CA Mathew, Crispin Street em direcção ao mercado de Spitalfields,
Londres, 20 de Abril de 1912
imagem obtida aqui
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CA Mathew, Spital Square em direcção ao mercado,
Londres, 20 de Abril de 1912
imagem obtida aqui
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CA Mathew, Brushfield Street em direcção a Christ Church,
Londres, 20 de Abril de 1912
imagem obtida aqui
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CA Mathew, Artillery Lane em direcção a Artillery Passage,
Londres, 20 de Abril de 1912
imagem obtida aqui
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CA Mathew, Middlesex Street em direcção a Bishopsgate,
Londres, 20 de Abril de 1912
imagem obtida aqui
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CA Mathew, Sandys Row a partir de Artillery Lane,
Londres, 20 de Abril de 1912
imagem obtida aqui
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CA Mathew, Widegate Street em direcção a Artillery Passage,
Londres, 20 de Abril de 1912
imagem obtida aqui
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Como disse há pouco, nada se sabe dos motivos de CA Mathew, se terá agido em resposta a uma encomenda, se terá fotografado para passar o tempo em virtude dum atraso no comboio que o levaria a Brightlingsea.
Se os conhecêssemos, possivelmente não acrescentariam nada de particularmente importante. Este é um mistério insignificante, de cuja resolução não depende verdadeiramente nada.
Mas desse carácter enigmático advem grande parte do encantamento das imagens.
Socorro-me para explicar , como é da praxe entre os menos dotados de talento, de uma voz com autoridade. Italo Calvino, escritor italiano, dizia que, antes de saber ler, passava horas olhando para os quadradinhos dos fumetti americanos (bandas desenhadas), inventando a partir das imagens enredos e significados, que mudavam e se aprofundavam a cada nova passagem. Quando começou a ler, a experiência proporcionada pelas histórias aos quadradinhos tornou-se algo bem mais pobre, limitada como era pelos parâmetros introduzidos pelo texto dos autores.
O mesmo se passa, de certa forma, com a Fotografia. Como todas as criações artísticas, encerra na sua natureza um certo grau de polissemia.
As interpretações de uma obra podem variar consoante as experiências e os instrumentos de interpretação do observador. Quando demasiado vagos os elementos reconhecíveis, tenderá para o abstracto. Quando fortemente legendada, tenderá para o documental. Nas imagens de CA Mathew temos um feliz equilíbrio entre o vago e o identificável.
Estas imagens de que pouco sabemos, além da localização e da data, cativam-nos pelo vislumbre de um tempo que não vivemos e que não conhecemos verdadeiramente, mas que podemos situar. Ajudam ( sobretudo os londrinos) a ter uma percepção mais verdadeira de um bairro, mas não o catalogam.
Dão-nos o estranho prazer de olhar para uma Inglaterra chocada com o recente afundamento do Titanic ( a manchete do desastre aparece numa das fotografias), para os seus habitantes, sem nos dizer quem eram e o que fariam mais tarde. Das crianças que olhavam para a câmara sabemos que passariam por duas guerras mundiais e pelo fim dos impérios coloniais, mais nada.
Tudo o resto podemos imaginar. Como fazia Calvino, criança, com os seus fumetti.
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