segunda-feira, 1 de abril de 2013

Os improváveis

Por vezes, numa imagem reúnem-se vários improváveis.

William P. Gottlieb foi um fotógrafo improvável. Nada, à sua nascença, o parecia encaminhar para tal destino. Nascido numa família empresarial, ligada à construção e à industria madeireira, tudo indicava que estava reservado para ele um lugar no mundo dos negócio. Mas um grave problema de saúde quando estudava economia na Universidade, acabaria por o forçar a uma convalescença longa. Uma convalescença  tornada suportável pela música, em particular o Jazz, que se tornou interesse avassalador e que o levaria optar pela crítica musical e pelo jornalismo como modo de vida.
Foi por falta de verba para fotógrafos que se viu forçado a pegar numa pesada Speed Graphic, uma câmara típica dos repórteres de então,  que lhe custou parte significativa da sua colecção de discos. E nos intervalos em que largava os seus blocos de notas, e a sua função maior de jornalista de textos, o autodidacta fotógrafo revelou-se melhor que a encomenda. Criou um dos mais impressionantes conjuntos de imagens daquela que alguns chamam a "Era dourada do jazz" - o período em que as "big bands" levaram o jazz de música duma vida nocturna mais ou menos duvidosa a grande fenómeno popular, e em que depois, com o declínio destas, a espantosa revolução do Bebop o levou de popular a género de culto.

William P. Gottlieb, Lead Belly no National Press Club,
Washington, 1938-48
imagem obtida aqui

Também para Lead Belly (alcunha de Huddie William Ledbetter) à nascença, em data não muito bem definida, não parecia estar reservado o destaque em importante publicações, nem os palcos mais notáveis das grandes cidades americanas.
Negro, nascido numa plantação do Louisiana em fins do século XIX, tudo apontava que, mesmo sendo um notável autodidacta e poli-instrumentista, enquanto músico não passasse das estreitas margens da sua comunidade ou, quando muito, que singrasse na única carreira possível para os seus, o abrilhantamento do submundo nocturno, como músico de bares duvidosos e bordéis.
E depois, a sua personalidade explosiva, que o tornava quase uma personificação dos piores estereótipos que caricaturizavam os negros americanos, parecia arredá-lo definitivamente do interesse da América mainstream. Bebia, tinha uma vida amorosa atribulada, envolvia-se em zaragatas, usava armas sem grandes pruridos, foi preso e condenado por várias vezes, inclusivamente por homicídio.
Seria porém a cadeia que que o resgataria do desconhecimento. Em 1933, num dos seus retornos à cadeia, (depois de ter conseguido obtido um inusitado perdão dum governador, que era conhecido por os não darmas que frequentava estranhos picnics na penitenciária onde o músico actuava para deleite de guardas e convidados) foi descoberto na gigantesca prisão agrícola de Angola, no Louisiana natal, pelo etnomusicólogo Jonh Lomax. Este esforçar-se-ia para conseguir a sua libertação e trataria de o apresentar à sociedade americana, abrindo-lhe o caminho para um percurso que, embora cheio de percalços, o levaria ao reconhecimento público, com um repertório espantoso de blues, gospel, canções de cowboys e até cantigas infantis.

O encontro destes dois improváveis deu-se por mais que uma vez. A predilecção musical de Gottlieb era o jazz, mas este era por natureza local de encontros. Abria-se sem complexos à musica latino-americana e ao blues, por exemplo. E Lead belly não era exactamente um homem que pecasse por falta de versatilidade. Das imagens produzidas nos encontro,s gosto particularmente da acima apresentada. É a mais sub-exposta, quase uma metáfora da dificuldade de chegar à visibilidade de um notável e complexo músico. Da vitória sobre a improbabilidade.

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