sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A Morte despejada sobre Hull

Ouve-se dizer, por vezes, que os bombardeamentos aéreos sobre as cidades republicanas, durante a guerra cívil espanhola, foram um primeiro ensaio para essa  forma de mortícinio urbano (técnica mais de desmoralização cívil do que de combate verdadeiramente militar) que atingiria a sua maturidade na Segunda Guerra Mundial, poucos anos depois.
Porém tal não é exactamente assim. Se é certo que no conflito espanhol se ensaiariam os procedimentos de bombardeamento concentrado e massificado que desfigurariam Londres e destruiriam Dresden, a verdade é que o momento primeiro da técnica se dera muito antes, durante a primeira mundial.
A escala e a intensidade não foram as mesmas (nenhuma cidade britânica foi significativamente destruida), e a tecnologia não era a mesma. Em 1915, os aviões estavam na sua infância, eram geringonças de madeira, arame e tela. Os motores de combustão eram arcaicos, ineficientes e pouco fiáveis. O seu peso elevado consumia grande parte da capacidade de sustentação que a aerodinâmica incipiente de então fornecia, e a autonomia possível impossibilitava grandes raides transfronteiriços. Em contrapartida, a tecnologia das aeronaves mais leves que o ar encontrava-se já praticamente na sua maioridade.Os dirigíveis, sobretudo os alemães, ofereciam um contraponto notável em termos de fiabilidade, autonomia e capaciadade de carga. E não foram dispensados na primeira verdadeira guerra industrializada.
Na manhã de 19 de Janeiro de 1915 partiram de Fuhlsbüttel, na Alemanha, dois dirigíveis Zeppelin, o L3 e o L4. Preparados para trinta horas de voo, carregavam cada um 8 bombas e 25 engenhos incendiários. Tinham como plano atacar instalações industriais e militares em localidades na linha costeira de Norfolk. Depois de cruzado o canal, e atingida a costa inglesa, os aparelhos que até então tinham seguido juntos, separaram-se. O L3 seguiu para norte e atacou King's Lynn, ao passo que o L4 rumou a sul e bombardeou Great Yarmouth. Os danos provocados poderiam ser classificados como muito limitados, nove mortos e alguns edifícios danificados, mas este ataque teve um impacto enorme na população britânica. Até então esperava-se que a guerra se travasse à distância, nos campos de batalha do continente. Quando a morte foi súbita e silenciosamente despejada sobre o território inglês, passou a não haver um lugar totalmente seguro, a invasão alemã começou a parecer eminente e a moral foi tremendamente afectada.
Diz-se que o imperador alemão autorizara este primeiro ataque na condição de que natureza dos alvos fosse a descrita e de que a cidade de Londres não fosse visada, por temer que a família real britânica (à qual estava unido por laços de parentesco) fosse atingida. Este pejo inicial rapidamente seria ultrapassado e Londres, tal como outras grandes cidades inglesas, não escaparia aos Zeppelin nos anos de 1915 e 1916.


Autor não identificado,
Danos do bombardeamento em Porter street,
Hull , Junho de 1915
imagem obtida aqui


Em 16 de Junho de 1915, o dirigível L9 viu-se impossibilitado de chegar a londres por acção de vento contrário, e a (má) sorte calhou à cidade portuária de Hull, onde seria largada a carga destrutiva destinada à capital. Em resultado, contar-se-iam 24 mortos e vários armazéns e casas destruídos.
A fotografia dos danos em Porter Street permite-nos um vislumbre sobre o impacto destes ataques.
A imagem constroi-se a partir de um ponto de vista situado num interior, o que de imediato facilita uma identificação do observador com os habitantes do espaço destruído. Depois, observa os danos de uma forma subtilmente certeira. Fá-lo centrando a atenção sobre as vítimas que, conformadas mas ainda em espanto, observam a destruição que lhes foi infrigida. Paira sobre a fotografia uma sensação de impotência que reflecte os factos desse  junho de 1915.
Incapazes de enfrentar os dirigíveis que atacavam silenciosamente, do nada, sem armas eficazes, os populares tiveram como única reação um acto inútil. Turbas juntaram-se, destruiram e pilharam tudo o que tivesse um nome que soasse a alemão, como a loja Kress and Wagner.

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