A historiografia da fotografia, em particular a de matriz francesa, tende a atribuir a invenção do retrato fotográfico moderno a Nadar e a Carjat, sobretudo ao primeiro.
Atribui-se-lhes a inovação de uma representação centrada no sujeito, na exposição do seu pathos, e o desligamento relativamente a convenções mais arcaicas, oriundas da pintura romântica e anterior, em que o gesto, o cenário e o adereço pesavam por vezes mais que a estrita representação (e a correcta escolha) da expressão do retratado.
Félix Nadar, Charles Baudelaire, 1862
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Étienne Carjat, Charles Baudelaire, 1863
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Curiosamente, esta demanda do essencial, e fuga ao acessório, advém precisamente de dois homens que se notabilizaram como caricaturistas. Quer Carjat ,quer Nadar, são senhores de uma assinalável obra gráfica, que aparentemente se situa nos antípodas dos seus retratos fotográficos. Na caricatura prevalece o exagero e a desproporção, que parecem faltar no relativo minimalismo da sua faceta fotográfica, tecnicamente simples, sem devaneios de foco (como amiúde se verifica, por exemplo, em Julia Margaret Cameron), sem abusos de tom e contraste, com poses descontraídas e fundos simples e neutros. Mas há na caricatura uma capacidade de capturar o esgar, a expressão exacta, e de os trabalhar para neles melhor se reconhecer o sujeito alvo, e este é um talento que é fundamental para um retratista. Descontando-se o oceano de diferenças técnicas e estilísticas que separa as caricaturas e as fotografias de Carjat e Nadar, une-as esta propensão para capturar a representação certa.
Étienne Carjat, Gaetano Braga (compositor e violoncelista italiano), s/data
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Já do grande rival de Nadar e de Carjat, o bem sucedido André Disdéri, não se lhe conhece muita obra além da fotográfica. Este, com um enorme talento comercial, soube perceber o que os seus clientes, nem sempre muito elucidados, esperavam de um retrato. Com isso, conjuntamente com a utilização do formato carte de visite que popularizou, que permitia grandes séries a baixo custo, terá empurrado muitos dos fotógrafos contemporâneos para fora da actividade. Esta pulsão mercantilista, faz Disdéri perceber que mais do que uma representação serena e “verdadeira” de si próprios, os europeus de novecentos pretendem maioritariamente obter nos seus retratos a imagem do seu estatuto, real ou almejado, uma configuração segura do que esperam que os outros vejam neles. Aos fundos neutros preferem as balaustradas, os panos, o mobiliário pretensioso e as colunas falsas que Disdéri usa para povoar o estúdio e os seus retratos. À naturalidade preferem o gesto encenado. Preferem as convenções seguras, e uma validação que entendem ser trazida pelas referências clássicas.
Os retratos de Disdéri dizem-nos muito mais da época, do ar do tempo, do que dos retratados. As suas fotografias muitas vezes fazem-nos lembrar o quadro de goya “ Carlos V e a sua família”, em que o espanhol nos fez chegar a imagem (pouco lisonjeira) de uma família real que parece tão ofuscada e satisfeita com os brilhos e os fulgores dos trajes e do cenário, que não terá percebido o patético com que foram registados. Ironicamente, Disdéri, que não era um caricaturista, graças às suas opções e à oportunidade, transforma com frequência os seus clientes numa caricatura infeliz de si próprios, e da sua época.
André Disdéri, retrato de M. Duprez (actor francês), s/data
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André Disdéri, retrato de Victor Emmanuel II ( 1º rei da Itália unificada), s/data
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