domingo, 13 de janeiro de 2019

A Arábia de Wilfred Patrick Thesiger

Wilfred Patrick Thesiger foi praticamente toda a vida uma criatura de outros tempos. Nascido em 1910, em Adis Abeba, Etiópia, filho dum dignitário britânico e membro da nobreza, tornou-se um filho do império invulgar. Abominava o conforto, a facilidade e a velocidade, sentia-se deslocado nos seus estudos na Inglaterra. Insatisfeito, buscou a aventura e África.

Encontrou, através do Sudão, onde circulou antes e durante a segunda guerra mundial, e dum trabalho de acaso para as Nações Unidas, a Arábia. Visitaria outras geografias, voltaria a África, experimentaria a Ásia Central, mas a sua vida ficaria ligada às suas viagens e longas estadias numa Península Arábica tão diversa, tão longe dos lugares-comuns, que hoje pode parecer inventada.

Quando deixou de viajar, começou a escrever. Escreveu “Arabian Sands” e “The Marsh Arabs”, obras notáveis da chamada literatura de viagem. E através da sua escrita apareceu acessória uma outra faceta da sua obra, consubstanciada em milhares de fotografias, num acervo cuja qualidade sobreviveria facilmente à ausência de palavras. Pensadas como notação, como suporte documental, as suas imagens evoluiriam rapidamente dum início técnica e esteticamente limitado para um sublime registo das gentes e dos espaços que o apaixonavam.

E lembremo-nos, falando dum homem que desaprovava coisas mais recentes que o comboio a vapor, naquele mundo que sabia estar a desaparecer, que a fotografia era uma invenção de outra era.

Wilfred Patrick Thesiger,
Dunas do deserto de Rub' al Khali,
Arábia Saudita, 1948
imagem obtida aqui

domingo, 6 de janeiro de 2019

O olhar incómodo de Gérald Bloncourt

Falecido no passado 29 de Outubro, Gérald Bloncourt é uma das várias figuras que, não sendo nacionais, são incontornáveis quando se olha para a história da fotografia portuguesa. Num país em que, por razões várias, das limitações económicas às de liberdade de expressão, só mesmo muito tarde a prática fotográfica teve uma expansão minimamente comparável à de outras geografias paradigmáticas como os Estados-Unidos ou a França, o olhar dos outros acaba por ter uma particular importância.

Ora, o olhar de Gérald Bloncourt não foi exactamente um dos mais cómodos. Frequentemente recordado como o fotógrafo da emigração portuguesa em terras francesas dos anos sessenta, as suas imagens dos bidonvilles, os degradantes bairros de lata dos subúrbios, revelavam um quotidiano cuja exposição desagradava e embaraçava autoridades e sensibilidades publicas, quer cá, quer lá.


Mas Gérald Bloncourt foi mais do que o documentarista dos bidonvilles. Ele, que não era estranho à miséria, contra a qual lutara no seu Haiti natal, rumou ao país que alimentava aquilo que ele considerava uma forma de escravatura moderna, e documentou também a pobreza rural e urbana portuguesa que dava às dificuldades das barracas francês alguma relatividade. A fuga a salto, pelos Pirinéus, que ele também fotografou, oferecia apesar de tudo uns tons de esperança.



Gérald Bloncourt,
Crianças transportando água em bairro da lata,
Lisboa, Portugal,
1966
imagem obtida aqui