Essa felicidade tem um contraponto porém. Como um buraco negro, a fotografia icónica parece absorver toda a sua obra.
Dorothea Lange, fotógrafa norte-americana, fez em 1936 a imagem que se tornou um símbolo da Grande Depressão. Esta começara como um fenómeno da grande finança, um incidente do mercado de valores, em 1929, e rapidamente alastrara de forma dramática para a chamada economia real.
Rondal Partridge, Dorothea Lange, 1936
imagem obtida aqui
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A perspectiva inicial dominante das autoridades dos Estados Unidos, onde se dera o crash bolsista, e da maioria dos países industrializados foi, basicamente, a de não fazer nada e esperar que passasse. Os resultados desta abordagem "naturalista" foram catastróficos: o comércio mundial caiu para metade, o desemprego aproximou-se do terço da população activa, o sistema bancário praticamente colapsou e os preços das materias-primas cairam a pique.
Em 1933, Franklin Roosevelt tomou posse como presidente nos Estados Unidos e iniciou um ambicioso projecto de revitalização económica, o chamado "New Deal". Nasceu daí a campanha fotográfica da RA (Resettlement Administration), mais tarde renomeada FSA (farm security admnistration), que visava dar visibilidade à pobreza rural que grassava no país, e convencer as franjas da população que permaneciam opositoras ao plano de combate à pobreza.
Dorothea Lange seria contratada para esta campanha e desenvolveria ao longo de quatro anos, de 1935 a 1939, um vasto trabalho sobre as populações rurais. E em 1936, cruzou-se com Florence Owens Thompson, uma trabalhadora migrante de 32 anos, mãe de vários filhos, que se vira forçada a acampar em condições miseráveis, no norte da Califórnia, enquanto esperava a reparação do carro em que deslocava de terra em terra, em busca de trabalho. Faria com ela seis imagem, mas apenas a de plano aproximado, de rosto carregado com um bebé ao colo, e duas crianças um pouco maiores a ela encostadas, viria a obter uma atenção maior. Serviria, como praticamente nenhuma outra, o propósito da FSA de mostrar o quanto a economia debilitada estava a ter um impacto pessoal avassalador em muitos americanos.
Dorothea Lange, mãe migrante, 1936 imagem obtida aqui |
O esmagador sucesso desta imagem acabaria por, de alguma maneira, ofuscar muito injustamente o restante trabalho da equipa da FSA, que não teria para a posteridade o destaque da fotografia de Lange.
As razões da particular eficiência desta imagem, da sua atracção, são múltiplas e subtis. Não se prendem apenas com olhar compassivo com os desapossados; esse olhar era a marca-de-água do projecto da FSA, imprimida por Roy Striker, o responsável. E não se prendem exclusivamente com a temática da maternidade. Para além de outros a terem trabalhado, a própria Lange a abordou outras vezes, mesmo depois da FSA, sem o mesmo apreço público avassalador.
Mesmo quando as imagens era fortes e belíssimas.
Um exemplo: em 1940,em Maricopa, Arizona, num trabalho apoiado pela WPA (Works Project Administration), outro projecto governamental norte-americano da era Roosevelt, Dorothea Lange captou uma outra mãe migrante, uma apanhadora de algodão, com o seu filho de meses.
Dorothea Lange,
Apanhadora de algodão migrante e o seu filho,
Maricopa, Arizona, EUA, 1940
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A imagem é tocante e reveladora da mesma pobreza nas classes trabalhadoras do período, mas não há nela a secura da fotografia de 1936, não há a mesma a sensação de rumo perdido.
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