quarta-feira, 16 de maio de 2012

Um dente-de-leão do Japão

Os lugares-comuns confortam-nos. Dão-nos as doses diárias recomendáveis de certezas. Não interessa se são ficcionais, são úteis mesmo que saibamos serem falsas, parciais. 

Sobre o Japão e a sua cultura há todo um discurso acerca da divinação da simplicidade, do regramento e da ordem. Saltam de imediato referências à arquitectura tradicional, minimalista no uso de planos e materiais,aos jardins zen e a sua sublimação do vazio, aos belíssimos filmes de Yasujiro Ozu, onde uma tremenda tensão se gera em torno de normais questões familiares, e ao haiku, forma poética maior e miniatural , com dezassete on ( algo próximo ao nosso conceito de sílaba) dispostas em três linhas.

Mas quem ler de uma assentada todos os livros de Yukio Mishima que conseguir apanhar, ou quem olhar com mais atenção para história do país, pode pressentir que no interior do paraíso da ordem há uma criatura excessiva e irracional que, de tempo a tempos, insiste em irromper.

Olho para uma imagem de 1931. Quando o Concurso de Fotografia Amadora da Kodak foi tornado internacional, saindo das fronteiras da América do Norte, Katsuteru Nozahi, de Okayama, ganhou a categoria de Natureza-morta. A subtil disposição dos dentes-de-leão, erva comum e de distribuição global, colocados num banal frasco comercial (espantosamente, trata-se dum frasco de revelador Rodinal, da Agfa) que se destaca sobre um fundo neutro remete-nos de imediato para aquilo que se poderia designar como uma sensibilidade japonesa. Simplicidade, subtileza, eficácia estética máxima com um mínimo de elementos.

Katsuteru Nozahi, Natureza-morta, Japão, 1931
imagem obtida
aqui

Mas a data e os intervenientes desassossegam-nos. Um fotógrafo japonês ganha um prémio num concurso americano em 1931. Dez anos depois, não haveria encanto japonês que pudesse emocionar publicamente um júri americano. A polaridade cultural do japão mais visível para o público dos Estados unidos seria a da sua vertente mais sombria, e os lugares-comuns seriam outros.
Durante um conflito, não nos interessa nada se os monstros gostam de ópera. Por mais humanos que os saibamos, são apenas monstros.

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