Diogo Margarido fotografou as ruas de Lisboa nos Primeiros de Maio de 1974 e de 1975.
Fotografou a mesma cidade em dois mundos diferentes.
Em 1974, registou a vertigem de um entusiasmo colectivo, a euforia que extravasava da longa pressão contida por uma rolha que a revolução uns dias antes fizera saltar. As imagens desse ano trazem-nos uma suposta unidade, um optimismo que se revelaria ingénuo.
No ano seguinte, há uma patente tensão, o pressentimento de um conflito eminente. O optimismo geral desvanecera-se, a ilusão de unidade esfumara-se.
Maio de 1975 seguira-se a meses de polarização e antagonismo. Seguira-se aos incidentes de 11 de março que haviam feito deslizar o delicado equilíbrio das forças para uma opção revolucionária. Seguira-se às difíceis e adiadas eleições de Abril, realizadas final e simbolicamente a 25, um ano após a queda do Estado Novo, e em que os partidos apologistas da via mais alinhada com a democracia liberal ganham uma clara maioria, em aparente contraciclo.
As fotografias de Margarido desses primeiros de Maio oscilam entre o registo documental (dir-se-ia quase fotojornalístico) e uma abordagem mais livre, de quem tenta capturar o fluir e o sentimento dos dias.
De 1974, vêm-nos esta imagem pouco ortodoxa, difícil, sub-exposta, contrastada e granulosa, da multidão que se dirige para a primeira manifestação do primeiro de Maio.
Parece habitar a imagem o poema que Sophia de Mello Breyner Andresen dedicou à revolução que a tornou possível. A escuridão subterrânea e a sua saída parecem citar a esperada madrugada de onde se emergiu da noite e do silêncio.
E parece habitar igualmente nela a imagem a incerteza dos tempos que se seguiriam.