Associar num texto as formigas, insectos sociais hierarquizados, a exércitos, humanos organizados e hierarquizados, não é uma imagem inovadora. Porém, olhando-se para a Fotografia jornalística portuguesa dos primeiros anos do século vinte, podemos observar situações em que esta associação não é um recurso estilístico, é antes algo bem literal.
Veja-se, abaixo, a fotografia de Anselmo Franco.
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Anselmo Franco, Revolução de 14 de Maio de 1915
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A imagem refere-se a acontecimentos de Maio de 1915, em que uma revolução armada pôs termo à chamada Ditadura de Pimenta de Castro. A dita ditadura nascera de uma iniciativa institucional promovida, em Janeiro de 1915, pelo presidente Manuel de Arriaga, que convidara o general para chefiar o governo, ignorando o parlamento dominado pelo Partido Democrático de Afonso Costa.
Pese embora o título, o governo nunca se impôs na verdade, minado quer internamente, com ministros em desacordo, quer pela acção dos democráticos.
O Partido Democrático, que em rigor era o velho Partido Republicano Português (onde apesar das dissenções dos Unionistas e Evolucionistas, se mantivera a quase totalidade da máquina propagandistica e da estrutura organizativa prévias), organizou-se e, entre apelos públicos à insurreição, preparou o golpe.
No início de Maio,o governo perdeu definitivamente também o apoio dos Unionista e então tudo se precipita. A 14 de Maio alguns membros da armada, forças do exército, da GNR, e muitos civis tomaram de assalto o arsenal da Marinha. Durante três dias, trocou-se fogo entre diversos pontos de Lisboa, e entre estes e vasos de guerra no Tejo. Haverá cerca de 200 mortos e mais de 1000 feridos.
A 17 de Maio está concluído o episódio com a vitória dos revoltosos. Anselmo Franco capturou um cortejo marchante dos vencedores. Encabeçam-no civis armados, homens da
Formiga Branca, uma milícia mais ou menos informal, mais ou menos reconhecida, constituída em larga medida por membros da Carbonária. Esta milícia funcionou durante grande parte da 1ª República como tropa de mão do Partido Democrático, agindo como uma polícia política por vezes (denunciando,atacando e prendendo opositores dos Democráticos),e como uma força musculada outras vezes (cortando estradas, atacando sedes de jornais e até derrubando governos).
Voltando às figuras de estilo, pode-se ver na
Formiga Branca uma alegoria. O nome do bicho é um sinónimo de térmita, insecto também sociável e que atacando a madeira, de que se alimenta, é responsável pela destruição contínua e vagarosa de muitas construções. A milícia a que o Partido democrático recorria minou, anos a fio, um dos princípios base do tecido social do Estado -o monopólio da força. À semelhança de térmita em casa de madeira, a
Formiga Branca era um sinal, e uma causa, da derrocada lenta do edifício institucional da primeira república.
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